João Almeida
"Botões pipocam por todos os galhos, amanhecem abrindo-se em flores de todas as cores e exalando exatamente o seu perfume preferido quando é gente. Entre suas folhas, pássaros de plumagens bem variadas, borboletas diversas, até uma certa borboleta azul. Se acha , ou melhor, pensa ser a árvore mais linda e importante do mundo.
É manhã ainda fria quando chega à sua sombra uma mulher. Chega e fica mas não olha para cima, e assim não vê as flores se transformando em frutos. Os dias passam e ela não vê os frutos de verdade, verdes, amadurecendo e os maduros. Não percebe nem mesmo os que caem ao seu redor, não se interessa por seu sabor. Logo são tantos, num imenso disperdicio da polpa da felicidade. A árvore não desiste, continua cheia de flores e frutos à disposição do amor. Numa madrugada uma menina juntou-se à ela. Se interessa por seus frutos, pegou uns três, mas a mulher não deixou que levasse à boca. E assim ficaram as duas, a primeira sem se interessar, e a segunda querendo experimentar, mas como frutos proibidos apenas olhava, e com o tempo, tanto fazia aquela árvore dá ou não dá frutos. Numa bela tarde, apareceu um menino e ao descobrir a árvore com pássaros felizes entre as folhas, retirou do pescoço um estilingue, do bolso pedras, começando um ataque, espantando-os. Primeiro voaram os azuis, depois os alaranjados, em seguida os verdes, os amarelos. Voaram numa só direção, formando no céu um arco-iris de asas. As estilingadas derrubaram botões, flores e frutos, e só quando um caiu na cabeça da primeira mulher, o menino parou.
-----Que pertubação ! berrou a mulher, arremessando o fruto inocente contra o garoto.
Jonas, quer dizer, a árvore germinada no seu pensamento, não se desesperou, o tempo foi passando e o menino ficou por perto, mas só usava sua arma contra outras arvores, de modo que ela se refez em frutos, com a polpa da felicidade ainda mais doce. Aí, num dia um pouco nublado, apareceu outra menina, na verdade uma mocinha. Chegou saltitando, segurando a saia levantada até o joelho, com um sorriso de quem buscava exatamente uma sombra como aquela. Foi se aproximando e se jogou como se tivesse cruzado a linha de chegada de uma maratona. Um fruto recém caído ao alcance das suas mãos, a interferência da primeira mulher.
----Não coma!
----Por que ? não são seus!
----Não gosto destes frutos!
----Voce não gosta do sabor da felicidade ? problema seu!
A arvore entre triste e conformada, não entendia a rejeição aos frutos, frutos da harmonia, era tudo muito estúpido. Gostaria de adotar a todos que se estabelecesse sob sua copa, não se sentia nem vencida nem domada, portanto continuaria produzindo sua proposta de amor, em forma de flores e frutos.
Numa manhã, a primeira mulher despertou cutucada pelos raios do sol, e como se alguém o guiasse, foi para um pequeno morro, encontrando um rapazinho, na verdade esperado. Este estendeu um bouquet de flores brancas, vivas, parecendo estar plantadas na sua mão. Um sorriso iluminado, uma alegria meia embaraçada, detalhe suficiente para se entender que aquela pessoa lhe fazia bem. Sob a árvore o encontro com os outros, até o garoto do estilingue chegou correndo para participar. Uma mudança interessante estava acontecendo, a árvore nunca tinha exibido com tanto orgulho suas flores e seus frutos, e para os seus galhos retornaram todos os pássaros. Assim... aconteceu o primeiro grande dia da harmonia. Na manhã seguinte, os pássaros da árvore despertou a todos , levantaram-se e de mãos dadas saíram debaixo da grande copa, deparando-se com um corredor, comprido, formado por paredes de neblina, que de tão longo se afunilava até a figura de um garoto, que como que esperasse ser percebido, começou a caminhar. Atrás de si a neblina se dissipava, e por fim chegou aos braços da árvore, se emocionando com tanta oferta de felicidade. A primeira mulher eufórica queria esquecer do tempo perdido, e assim todos celebravam, se fartavam, no segundo grande dia da harmonia.
Mas...
Como seria o terceiro dia, os meses, os anos de harmonia ? quem sabe... , o trem do pensamento sai dali, Jonas tinha passagem marcada para a realidade.
Trecho do livro, Enquanto Colhia Amoras.