segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Os gatos da rua de baixo.

João Almeida
(inspirado num personagem de um livro de bolso)

Os gatos da rua de baixo
não se aquietam,
e já e noite muito tarde....
Estão na brincadeira,
ou numa disputa por uma gata...
Ou brigam na perseguição à um rato,
ou simplesmente brincam.
Os gatos da rua de baixo
me incomodam...
Ou sei lá...
a minha insônia
é que dá importância
aos gatos
ou a minha solidão.
Sem os gatos da rua de baixo
com todo silencio
desta noite fria
eu não conseguiria dormir
e pior
não consigo fugir,
enquanto o morador do jardim
que não é jardineiro
vagueia dia a fio,
e quando é madrugada
adormece sobre um banco
sem ligar para os miados dos gatos.
É , severa conclusão,
perto de um novo amanhecer...
Nem pílulas, nem sucos, nem chás...
Eu só precisava pra dormir
Era ter você aqui.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

PÉTALAS

ALCEU VALENÇA

As borboletas voam sobre o meu jardim
São cores vivas, pousam sobre as "onze horas"
Nas rosas claras, violetas e jasmins
Um beija-flor traindo a rosa amarela
Beijou a bela margarida infiel
Papoula e dália estão cravadas de ciúmes
E o beija-flor beijando flores a granel
Pétalas, asas amarelas

Pétalas, espinho seco
Folha, flor, lagarta
Pétalas

As flores voam e voltam na outra estação
Só serei flor quando tu flores no verão

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Fragmentos de: Os Heróis da Minha Infância

Joilson Kariry Rodrigues

O sertão é povoado de heróis.
Em meus tempos de menino vi a fulô do mandacaru fulorar na seca,
vi o avoar do carcará que é bicho danado, rei dos céus.
Dona Das dores pegou pra mais de duzentos meninos na porta do nascimento,
O carcará é rei dos céus do sertão e pega menino pequeno que se aventura nos monturos.
Xô, bicho malvado, xô. Tem que botar sarro de cachimbo no umbigo que é pra sarar logo,
mas também pra espantar o bicho do céu, ave de rapina.
Cresci assim, respeitando essas coisas de sabedoria infinita, vendo surgir meus heróis do sertão.
O sertão pariu Virgulino e Cego Aderaldo, Patativa e Vitalino, Gonzagão e Normando, Abidoral e Dihelson.
Padim Ciço ta lá, de olho espichado vendo tudo, dando proteção ao sertanejo e inspiração a nossos ídolos.
Assim cresci naquele solo poderoso, vivi minha adolescência e meus heróis.
Uma Patativa cantava lá pros lados do Assaré, a Asa Branca de Exu voava nos céus do Brasil.
Tio Chico Recanto, o profeta, dizia coisas ruins daqueles anos, ele via no sereno da madrugada.
Eu ia às novenas sem interesse nas rezas, trajando minha única camisa azul de volta-ao-mundo,
E aquele espetáculo de vozes à capela, nas noites de novenas, ainda enchem os ouvidos das minhas lembranças.
Ali eu assisti meus primeiros concertos musicais. Depois do show voltava para casa,
Os dias brancos iam e vinham, quentes, bafejando mormaço, dando relâmpagos lá no canto do poente, enganando o sertanejo com promessas inúteis.
Eu era um menino do sertão, bicho manso embrutecendo nas capoeiras, com a alma inundada de cantiga de novena, achando que o sertão era do tamanho do mundo, grande e rachado, e todas as águas estavam represadas num tal açude de Óros, que nas conversas de meninos era maior que todos os oceanos juntos.
A poeira dos caminhos, que só davam pro Crato, redemoinhava no vento da boca da noite, levando o Cão no miolo da carrapeta de vento, forçando a gente a fazer o sinal da cruz.
E foi num giro de vento desses que chegaram os cantadores repentistas, meus primeiros heróis.
Contaram histórias em rimas ligeiras, desafios improvisados, causos de príncipes valentes de reinos mais longe que o Juazeiro.
Depois foram embora num vento que deu de madrugada. E veio o circo São Jorge. O maior circo do mundo, gritava o palhaço se equilibrando em pernas de paus.
Pra nósos meninos do sertão, O PALHAÇO NA PERNA DE PAU ERA UM DO NOSSOS HEROI
Seguíamos o nosso novo herói rua afora, fazendo festa, protegendo a marca de carimbo decalcada no dorso da mão, que nos dava direito à entrada grátis.
E o circo foi embora prometendo voltar, jamais voltou. Então inventávamos outras vadiagens para esquecer a espera inútil.
O sertão era imenso, a maior de todas as terras. E vinha na poeira dos caminhos os homens de gibão. Tangiam boiadas magras, bebiam cachaça e davam aboios tristes que me faziam querer chorar.
Não sei se eram homens, se eram lendas, só sei que amei aqueles seres bárbaros.
A lua mora no sertão e pouco sai de lá para visitar outras terras. Acho mesmo que foi o sertão quem pariu a lua, ou o inverso, porque lá ela se acende como uma coivara em chamas no céu.
E se dá aos bichos da caatinga, aos amantes, alumia os caminhos por onde andou Lampião e seu bando de justiceiros. Alumia as calçadas, as ruas, os alpendres, invade as casas na hora de dormir, pelos buracos das paredes de taipas. A lua é intrusa, mãe do sertão, ou filha, parceira do Caipora. E um dia eu descobri que a lua do sertão é o melhor presente que se dá a uma namorada.
E era sob o olhar majestoso da lua que eu ouvia as histórias dos cangaceiros, homens destemidos, mulheres valentes. E no dia seguinte dávamos vida a esses nossos heróis, em nossas brincadeiras de cangaço e volante.
Se aprendia a soletrar o be a ba no cordel, nossa cartilha encantada. Aí o sertão era pequeno pra tanta história bonita.
O sertão ardia feito brasa de angico em fogueira de São João. Não dava chuva, só relâmpagos inúteis no canto do poente.
A asa branca do Exu voava suplicando amparo ao povo flagelado, Vicelmo irradiava notícias do sul, outras terras bem longe dali, onde morava o Governo que ia nos acudir.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Para quem é pai/mãe e para aqueles que o serão...

Autor desconhecido

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê a pazinha de brincar de areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal? A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça! Ali, estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos. Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros. Ali estamos, com os cabelos esbranquiçados. Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente com os erros que esperamos que não repitam.
Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos próprios filhos. Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas. Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, pôsteres, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.
No princípio, subiam a serra e iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim. Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas “pestes”. Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito (nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a rezar) para que eles acertem nas escolhas em busca de felicidade. E que conquistem do modo mais completo possível. O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.
Aprendemos a ser filhos depois que somos pais. Só aprendemos a ser pais depois que somos avós..."

domingo, 6 de setembro de 2009

Sentar-se à Janela

(Alexandre Garcia)

Era criança quando, pela primeira vez, entrei em um avião.
A ansiedade de voar era enorme.
Eu queria me sentar ao lado da janela de qualquer jeito, acompanhar o vôo
desde o primeiro momento e sentir o avião correndo na pista cada vez mais
rápido até a decolagem.
Ao olhar pela janela via, sem palavras, o avião rompendo as nuvens,
chegando ao céu azul. Tudo era novidade e fantasia.
Cresci, me formei, e comecei a trabalhar. No meu trabalho, desde o
início, voar era uma necessidade constante.
As reuniões em outras cidades e a correria me obrigavam, às vezes, a
estar em dois lugares num mesmo dia.
No início pedia sempre poltronas ao lado da janela, e, ainda com olhos de
menino, fitava as nuvens, curtia a viagem, e nem me incomodava de esperar
um pouco mais para sair do avião, pegar a bagagem, coisa e tal.
O tempo foi passando, a correria aumentando, e já não fazia questão de me
sentar à janela, nem mesmo de ver as nuvens, o sol, as cidades abaixo, o
mar ou qualquer paisagem que fosse.
Perdi o encanto. Pensava somente em chegar e sair, me acomodar rápido e
sair rápido.
As poltronas do corredor agora eram exigência . Mais fáceis para sair sem
ter que esperar ninguém, sempre e sempre preocupado com a hora, com o
compromisso, com tudo, menos com a viagem, com a paisagem, comigo mesmo.
Por um desses maravilhosos 'acasos' do destino, estava eu louco para
voltar de São Paulo numa tarde chuvosa, precisando chegar em Curitiba o
mais rápido possível.
O vôo estava lotado e o único lugar disponível era uma janela, na última
poltrona. Sem pensar concordei de imediato, peguei meu bilhete e fui para
o embarque.
Embarquei no avião, me acomodei na poltrona indicada: a janela. Janela
que há muito eu não via, ou melhor, pela qual já não me preocupava em
olhar.
E, num rompante, assim que o avião decolou, lembrei-me da primeira vez
que voara. Senti novamente e estranhamente aquela ansiedade, aquele frio
na barriga. Olhava o avião rompendo as nuvens escuras até que, tendo
passado pela chuva, apareceu o céu.
Era de um azul tão lindo como jamais tinha visto. E também o sol, que
brilhava como se tivesse acabado de nascer.
Naquele instante, em que voltei a ser criança, percebi que estava
deixando de viver um pouco a cada viagem em que desprezava aquela vista.
Pensei comigo mesmo: será que em relação às outras coisas da minha vida
eu também não havia deixado de me sentar à janela, como, por exemplo,
olhar pela janela das minhas amizades, do meu casamento, do meu trabalho e
convívio pessoal?
Creio que aos poucos, e mesmo sem perceber, deixamos de olhar pela janela
da nossa vida.
A vida também é uma viagem e se não nos sentarmos à janela, perdemos o
que há de melhor: as paisagens, que são nossos amores, alegrias,
tristezas, enfim, tudo o que nos mantém vivos.
Se viajarmos somente na poltrona do corredor, com pressa de chegar,
sabe-se lá aonde, perderemos a oportunidade de apreciar as belezas que a
viagem nos oferece.
Se você também está num ritmo acelerado, pedindo sempre poltronas do
corredor, para embarcar e desembarcar rápido e 'ganhar tempo', pare um
pouco e reflita sobre aonde você quer chegar.
A aeronave da nossa existência voa célere e a duração da viagem não é
anunciada pelo comandante. Não sabemos quanto tempo ainda nos resta. Por
essa razão, vale a pena sentar próximo da janela para não perder nenhum
detalhe.
Afinal...
"A vida, a felicidade e a paz são caminhos e não destinos"