sábado, 26 de julho de 2014

JARDIM DA ALMA.


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Posso atrever-me em perguntar como vai este jardim plantado na sua alma?
Desculpe, não é intromissão na sua privacidade, mas estou apenas querendo saber que cultivas mais flores e de que tipos, os tamanhos, as suas fragrâncias, só isso, pois, tenho tido a impressão de que, como não chove emoção há muito tempo em você, quem sabe a terra esteja árida, rachando, inóspita.
Se for assim, não se habitue as estas péssimas condições, elas matam qualquer florada, e sem floradas não existem pólen, sem pólen escasseia o mel e escasseando o mel que, gosto amargo fica na boca, na vida.
Concorda?
Tenho tido a impressão que aqueles lírios que ficavam logo na entrada do seu jardim devem ter crescidos e as rosas, plantadas um pouco mais lá atrás devem estar multicoloridas em brancas, vermelhas e amarelas, mais das amarelas, muito mais das amarelas, afinal estas são as suas favoritas.
Queria saber também se predadores têm prejudicado o crescimento delas, infestando-as de maus agouros, grilos indesejáveis, saúvas oportunistas, invejas pequenas de quem nunca cultivou flores, jamais dormiu com o insubstituível aroma dos jasmins do cabo, fartos, em cachos, generosos, parecendo querer cobrir a vida de branco emoldurando em perfume tão desejável, todos os ares que respiramos.
Vou lhe confidenciar uma intimidade: Jasmins me excitam, acho que é por me lembrarem a pureza do branco, a timidez que vejo nestas flores frágeis, a abertura encantadora de suas pétalas ensejando a facilidade dos beija-flores ao penetrá-la, sugá-la, alimentação sublime de um néctar que dá vida.
E como melhora a pele!
Amor de pele esfrega em poros, esquenta em sensibilidades, implode em jorros de prazer de vida, alternativa única de sentir a eternidade.
Mas não queria tergiversar tanto, ir mais longe do que deveria, nem atravessar outros oceanos de fantasias e muito menos tentar encontrar estrelas habitáveis no céu.
Não, não quero isso agora, agora quero somente saber como andam as flores do jardim da sua alma.
Regadas?
Faça isso sempre, não perca para o desânimo afinal, todos nós sabemos que, quando alguma coisa vai mal nas nossas vidas a primeira da qual esquecemos é continuar a dar vida às flores das nossas consciências.
Se as nuvens das tempestades não passassem, teríamos um dilúvio por semana e isso não é verdade, houve um só e, outro, vamos torcer para que não se precipite de novo.
Também, a maioria dos vulcões das nossas mentes está aparentemente extintos, para que provocar suas possíveis e teóricas erupções novamente?
Deixemos o Vesúvio em paz e, Pompéia soterrada, não deverá ser repetida, pois, o calor das suas lavas e o devastador efeito do seu magma, é insuportável.
Todo bom compositor gosta de dizer que, para não dizerem que ele nunca não falou de flores, enaltecer em versos e harmonias outras a gardênia, margarida, rosa, girassol, tulipa e...
Não, esta flor eu não vou colocar aqui, esta última espécie de flor é minha, tem o seu nome, e só é encontrada no jardim que plantei, não na minha alma e sim, no meu coração.
Ela é única, mas sobre pedra,jamais iria florescer.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Dia de Festa

Uma menina me perguntou certa vez: a vida da gente melhora da metade para o final? Ela deveria ter uns 14 anos, jovem demais para dividir a existência em duas partes e colocar suas esperanças na segunda. Já eu havia recém feito 40: estava me despedindo do ensaio geral e estreando na Parte 2, ainda sem saber o que estava por vir. Logo, o que responder?

Admiti que considerava encantadora a primeira parte: a virgindade existencial, os primeiros amores, a juventude do corpo, os sonhos projetados para frente, a morte a uma distância teoricamente segura. Não tinha como afirmar se a segunda parte possuiria munição suficiente para superar tanta vitalidade e expectativa, mas, dali onde eu me encontrava, seguia confiante, o futuro não me assustava. Apesar de ter vivido muito bem os primeiros 40, secretamente desejava que a resposta ao questionamento dela fosse um categórico sim.

Hoje aquela menina deve estar em torno dos 24 e ainda não tem sua resposta, mas garanto que anda tão ocupada que isso deixou de importar. Eu, no entanto, avancei um pouquinho na parte 2, porém continuo sem um parecer. Tenho apenas uma intuição.

Menina que não sei o nome: decretar o que é melhor, se a primeira ou a segunda metade da vida, é uma preocupação inútil – não perca tempo com isso. A única coisa que você deve ter em mente é o seguinte: o que fizer na primeira metade terá conseqüências na segunda, para o bem ou para o mal.

Se você for muito seletiva e insegura, acabará transferindo para mais tarde projetos que já poderiam ter sido experimentados. Procure viver as delícias de cada idade, arrisque-se. Se não conseguir, ok: então morra de amor, vá morar sozinha em Londres, entre para uma seita, monte uma banda, tudo isso aos 60, aos 70, e danem-se as convenções.

A maturidade traz ganhos reais. A ansiedade diminui, a teatralidade também: já não vemos sentido em agradar a todos, a opinião alheia deixa de nos influenciar. Essa liberdade de ser quem realmente somos me parece o benefício maior – os jovens não percebem, mas sua liberdade é muito restrita. São pressionados a fazer escolhas tidas como definitivas (casamento, filhos, profissão) e as dúvidas se amontoam.

A sociedade exige eficiência na condução desse script. Depois dos 40, a boa notícia: que sociedade, que nada. Não é ela que banca suas ideias, não é ela que enxuga suas lágrimas, não é ela que conhece suas carências. Você passa, finalmente, a ser dona do seu desejo. Não é pouca coisa.

A segunda metade trará vista cansada, um joelho menos confiável, um rosto não tão viçoso, umas manias bobas, mas o fato de já não haver tempo a desperdiçar nos torna mais focados e até mais aventureiros – pensar demais deixa de ser producente.

Perder a ilusão da eternidade traz, sim, conquistas instantâneas, mas, para isso, é preciso ter cabeça boa, conhecimento e uma forte base moral e ética. E isso você adquire na primeira metade da vida – ou padecerá na última. 


Martha Medeiros

Pode Entrar

A casa escancarada, a lua ali
Meu cachorro nunca morde
Meu quintal tem saputi
Tem um roseiral crescendo lindo
Quem for louco ou for poeta
Pode entrar, seja benvindo
Aqui passa o bonde da lapinha
Passa a filha da rainha
Passa um disco voador
Às vezes ele gira, pára e pisca
Como quem quase se arrisca
A parar pra conversar
Mas não me sinto só, tenho um vizinho
Que é um bêbado velhinho
Que acredita no destino
Ele mora em cima do arvoredo
Ele tem muitos brinquedos
Ele sempre foi menino
Agora se vocês me dão licença
Eu vou ver um passarinho
Que me chama no quintal
Depois eu vou deitar para sonhar
E dançar com a cigana
Que eu perdi no carnaval.

domingo, 1 de junho de 2014

formalidades


Eu quero mais é quebrar tabus, arregaçar as mangas, abrir as portas e soltar todos os meus vocábulos junto com meu coração. Quero é dizer do que gosto, de quem gosto. Repetir a dose, exagerar no gole, não fazer corpo mole e assumir meus sentimentos. Quero que se dane a formalidade que me exige andar de salto alto, corpo ereto, copos, talheres e pratos no mesmo alinhamento. Quero mesmo é dar adeus a frescura que me deixa entalada na roupa de festa e me faz beber vinho em pequenos goles, para não entornar. Que me exige dar risadinhas no canto da boca e fazer poses para ficar bem na foto.


Quero sair por ai. Andar descalça. Cumprimentar os passarinhos. Sorrir para as flores e gargalhar com as crianças. Quero falar de amor para que todos possam ouvir. ter liberdade de ficar em silêncio. Falar quando for necessário. Aconselhar meu coração. Sonhar com dias melhores. Cantar sem rima. escrever sem motivos. Chorar sem razão. Amar sem restrição.

Romper o obvio. Sair do prumo. Soltar os remos e navegar. Colher flores para dar de presente. Tricotar verdades. Descartar mentiras...Dizer bye bye para a tristeza. Não ser levada a sério. Não servir de exemplo. Não dar conselhos. Quero acordar na lua. tocar no céu. Passear pelas nuvens, pelo menos nos meus sonhos.

Quero um dia maior para viver com vontade. Um coração mais largo para caber tanto amor. Por favor, não me fale de regras, técnicas, normas. Perdi essa aula por pura teimosia.

Quero viver, aventurando-me na ousadia de fazer um belíssimo espetáculo, sem nenhum script. Sem nenhum diretor que me exija tanta disciplina. Quero é suportar minhas loucuras e me completar com o resto de alegria possível.

((Ita Portugal))

Beijos com

sexta-feira, 2 de maio de 2014

INFORMALIDADE


Lá pelo meio do século passado
os vendedores ambulantes
anunciavam na Rua da Praia:
vendo Óleo de Peixe Boi,
Extrato do Ipê da Amazônia,
pomada milagrosa tira dor,
bilhete da Loteria estadual,
assinatura da Revista Cruzeiro
e manual de como enriquecer sem fazer força...
Naquela época, na praça XV,
em torno do Mercado Público,
havia o tradicional Lambe-lambe,
o retrato em preto e branco,
três por quatro, tirado na hora
- fotos para o primeiro emprego...
As novas tecnologias varreram
hábitos e costumes antigos,
mas os ambulantes ainda estão
no Centro Histórico e agora apregoam
outros produtos:
temos  o comprimido azul importado do Paraguai,
vendemos óculos de grau por cinquenta reais,
fornecemos recibos de contra cheques
assinalados no valor que o freguês desejar
e atestados médicos de 14 diasPOR 

domingo, 23 de março de 2014

AS MULHERES SECAS

AS MULHERES SECAS - Joilson Kariri Rodrigues





As mulheres secas
não se banham, 
só lavam suas caras sujas nas águas dos olhos,
é pra isso que choram, se entristecem e choram.
quando a noite desanoitece
e o sol vem queimar o mundo,
é hora de rezar as velhas preces
é hora de rezar em vão, de juntar mais mágoas
que é para se entristecer e dar mais águas
nos olhos que são cacimbas de beber.
As mulheres secas bebem lágrimas!
tentando fazer leite nas muchibas magras, ocas
e não vem leite que dê pra tantas bocas,
dos meninos magros, secos
que só sugam nesses peitos, suor e sal.
As mães secas vivem de encantar meninos,
são enganadoras e prometem o céu que não têm
o leite que não vem,a chuva, o mingau.
As mulheres secas, pra enganar, dão até de sorrir
e escondem deles as suas dores, seus cansaços
e chupando seus peitos secos, embalados em seus braços,
mais um menino morre, sem ela nem sentir.

sábado, 15 de março de 2014

Quem me leva os meus fantasmas

Aquele era o tempo
Em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes as palavras voavam,
E eu via que o céu me nascia dos dedos
E a Ursa Maior eram ferros acesos.
Marinheiros perdidos em portos distantes,
Em bares escondidos,
Em sonhos gigantes.
E a cidade vazia,
Da cor do asfalto,
E alguém me pedia que cantasse mais alto.
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
Quem me diz onde é a estrada?
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
E me diz onde e´ a estrada
Aquele era o tempo
Em que as sombras se abriam,
Em que homens negavam
O que outros erguiam.
E eu bebia da vida em goles pequenos,
Tropeçava no riso, abraçava venenos.
De costas voltadas não se vê o futuro
Nem o rumo da bala
Nem a falha no muro.
E alguém me gritava
Com voz de profeta
Que o caminho se faz
Entre o alvo e a seta.
Quem leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
Quem me diz onde é a estrada?
Quem leva os meus fantasmas?
Quem leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
E me diz onde e a estrada

De que serve ter o mapa
Se o fim está traçado,
De que serve a terra à vista
Se o barco está parado,
De que serve ter a chave
Se a porta está aberta,
De que servem as palavras
Se a casa está deserta?
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
Quem me diz onde é a estrada?
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me leva os meus fantasmas?
Quem me salva desta espada?
E me diz onde e a estrada

sexta-feira, 14 de março de 2014

REARRUMAÇÃO




* Karina Rabinovitz *

Minha geladeira,
resolvi colocar embaixo da amendoeira
do quintal do vizinho,
só pra mudar as coisas de lugar!

Minha cama,
pus na beira do mar,
e meu sofá,
arrastei para a praça,
onde sento e como pipoca
e vejo tudo que passa.

Meu armário, pintei de roxo
e coloquei na esquina da rua azul
com a rua rosa.

Minha vitrola,
que se entrosa muito bem com o meu pufe,
está ao lado dele, agora,
tocando, no meio da avenida, por entre os carros.
  1.  
Joguei, além, muita coisa fora:
roupas, papéis, talheres, divã...

Esta manhã,
acordei cansada de tudo como está
e resolvi, simplesmente,
mudar as coisas de lugar!


***

Sempre que os ciclos se preparam pra terminar e recomeçar (esta dança infinita...), acredito que a rearrumação seja o nosso vôo. Rearrumar fora ou dentro, quebrar coisas, jogar fora, cuidar melhor, limpar, mudar.
Bagunçar o muito arrumadinho, ajeitar o muito bagunçado...
Com nossas mãos e pensamentos recriar nossos dias. todo dia...

Com poesia, a melhor maneira!, proponho uma rearrumação...
e 2005 = 7: sete vezes melhor que 2004!!! pra todos nós!, criatividade, beleza, compa
Paz, saúde, amor, coragem, alegria, fé, leveza ixão e poesia!


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Janela da infância




Janela da infância, janela das lembranças.

(Shirlei Ribeiro)





Quando abro minha janela, sempre me lembro da minha infância, onde eu podia espiar o movimento da rua, dos vizinhos, dos amigos, dos velhos conhecidos, enfim de quem ia e vinha. 

Hoje, na cidade grande, quando o tempo corrido permite é monótono olhar a janela do apartamento, e observar o vai e vem de quem eu não conheço, ou mesmo de quem mora no mesmo prédio na qual nunca fora desenvolvida uma conversa além do oi e bom dia.

As lembranças de infância me faz recordar sobre as histórias, que meu pai me contava do que via pela janela quando era criança. Muitas vezes, até acredito que sejam um pouco, digamos fantasiosas ou exageradas.

Ele contava que morava na beira da praia com seus pais e seis irmãos. Costumava pescar da janela do seu quarto e que em tempo de maré cheia, os siris se escondiam debaixo da cama, então a mãe dele corria com uma vassoura na mão, para defender sua cria do indefeso animal perdido na maré das águas insulanas. 

Lembro-me dele falar que acordava com um boi na janela, mas eu exclamei: -Pai, boi na praia? Assim surge a dúvida sobre a legitimidade de suas histórias.

Retornando as janelas, elas revelam mesmo o passar do tempo. Da época que se viam crianças brincando nas ruas, e agora que se veem pessoas apressadas, vizinhos dentro de suas janelas, outras janelas, ou até mesmo janela alguma. 

Apesar disso ainda acredito existir pessoas do outro lado da janela que devem estar pensando o mesmo que eu: Ah, que saudade da janela da minha infância!



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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

SE EU PUDESSE ESCOLHER...


,


Se eu pudesse escolher, seria feliz por, pelo menos, oito horas por dia, todos os dias. Reservaria o tempo restante para viver as pequenas agruras naturais.
Mas seriam leves, porque haveria a certeza de que a cada dia, eu teria a minha cota de felicidade.
Se eu pudesse escolher, reservaria algumas horas todos os dias, para fazer só o que fizesse os outros felizes. Dedicação total.
Se eu pudesse escolher, pararia qualquer coisa que estivesse fazendo às cinco horas da tarde, e me sentaria para assistir ao pôr-do-sol.
Escolheria lugares especiais. Procuraria não me repetir muito. O horário do pôr-do-sol seria algo assim, sagrado. O meu horário para observar Deus.
Se eu pudesse escolher, viveria entre o mar e as montanhas. No meio do caminho. Nem muito longe de um, nem muito longe de outro.
Plantaria flores. Teria vasos na janela. Muitos livros na cabeceira da cama à noite.
Depois do trabalho, porque se eu pudesse escolher, trabalharia sempre, produziria sempre, eu me sentaria para contemplar a noite bordada de estrelas e o luar.
Se eu pudesse, sorriria muito. Mas choraria também, às vezes, para não esquecer o que a lágrima significa. Viver só de sorrisos não é uma boa opção. Faz-nos esquecer de que a dor campeia no mundo e que é companheira quase inseparável de muitas criaturas.
Se eu pudesse escolher, faria uma declaração de amor todos os dias. Uma declaração de amor sem estardalhaço, sem alarde, que afirmasse ao coração eleito que pode contar comigo todos os dias, todas as horas, para todas as crises e as alegrias.
Se eu pudesse escolher, viveria a vida de uma forma mais leve, menos dolorosa, mais intensa, menos angustiante. Se eu pudesse escolher...
 Autor: desconhecido.


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Presentes quase impossíveis


Presentes quase impossíveis

- Mãe, se eu te pedir uma coisa, cê me dá?
- Claro, filho, qualquer coisa.
- Qualquer TUDO mesmo?
- Bem...qualquer tudo não é coisa demais, querido?
- Então não pode me dar qualquer coisa...
- Posso... qualquer coisa que esteja ao alcance de uma mãe.
- Tipo assim... cê não pode me dar a lua...
- Posso sim, olha pela janela, a lua tá lá longe, mas eu vejo ela dentro dos seus olhos. Então já é sua.
- Só minha?
- Só sua. Esta com você já. Agora voce é meu menino dos olhos de lua.
- Mesmo, mãe?
- Mesmo mesmo. E tem mais, são duas luas dentro de você. Uma para cada olho.
- Uau! E se eu te pedir mais uma coisa, cê me dá?
- Pede, filho!
- O mar... se eu te pedir o mar...
- Dou sim, espera aí que a mãe já volta com ele -  vai até a cozinha, pega uma pitada de sal joga num copo de água e volta para o quarto trazendo também uma concha marinha.
- Pronto, prove está água. Se você sentir o gosto do sal é porque o mar cabe dentro de você.
- Senti, mãe. Mas não vi o mar dentro de mim.
- Todo sal é água pronta para ser mar outra vez, amor. Agora pegue essa concha e coloque no ouvido...
- Tou ouvindo as ondas, mãe!
- Então significa que o mar está dentro de você.
- Bacana.Sou um menino-mar.
- E agora é hora de dormir. Amanhã te  dou o mundo, se você quiser.
- Não quero mais nada, mãe... Só uma coisa.
- O quê?
- Um beijo da melhor mãe do mundo.
A mãe beijou o filho com ternura, beijo quente com sabor de super-mãe, apagou a luz e o menino dormiu.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Entrega

Yasmine Lemos



E todas as vezes que não consigo me equilibrar nas encostas, deixo o meu corpo entregue ao vento. De certa forma me desfaço e viro chuva. E molho tudo, até anseios que não pude viver nos jardins perdidos e secos. E será que viro flor? Sim, no meu sonho.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O anúncio da pedra

Sonia M.



Há muito muito tempo atrás, uma tempestade apoderou-se da noite. Chuva,
vento e relâmpagos invadiam os céus, num cenário medonho. O vento varria
brutalmente os campos que circundavam a cidade,arrastando pelos ares as
pedras mais pequenas. Sendo depois largadas nas ruas, nos telhados e nos jardins,
inundados pela chuva. Uma dessas pequenas pedras, guardava ouro no seu interior
e ao ser atingida por um relâmpago, os deuses, num descuido, deram-lhe vida.
O sossego daquela pacata cidade foi devastado. Pela
manhã todos os habitantes uniram esforços para limpar as ruas e repor a ordem.
Limparam telhados, escoaram a água dos jardins, retiraram todas as pedras das ruas.
Todas, menos uma. A pedra viva, permanecia em frente a uma janela e por mais que
todos se esforçassem ninguém a conseguia mover. Não tinha braços nem pernas, mas
ganhara boca. Sempre que a abria era com o intuito de rebaixar e humilhar os que com ela
tropeçavam.

No inicio, talvez pela febre do ouro, ou encantados por aquele pequeno milagre, muitos se
aproximaram dela, mas, mal lhe ouviam a fala pesada, depressa se afastavam. Com o tempo
acabou por cair no esquecimento. Não passava de uma pedra no caminho. Uma pedra rica mas
odiosa. Passou tanto tempo em frente àquela janela, que começou a invejar a vida que via
do outro lado da vidraça. Se falavam, se riam, se choravam, se erravam, se acertavam.
Tudo na vida, que aquela janela lhe mostrava, se tornou numa
obsessão para a pedra. A sua mente de pedra era tão mesquinha, que achou que tinha um único
propósito na vida, um único destino: romper aquela vidraça. Havia noites em que a Lua,
com uma extrema paciência, lhe ouvia os gritos de raiva e inveja, sempre que se via ignorada e
desprezada por todos. Tentava até acalmá-la, dizendo-lhe que se olhasse melhor à sua volta,
talvez encontrasse um outro propósito para aquele acidente de vida, que não fosse o de
destruir propriedade alheia. Mas ela nada ouvia.

Oferecia ouro a quem a atirasse. Todos se negavam, afinal também eles tinham janelas. De que lhes
serviria depois o ouro, a não ser para consertar o que também podia ser quebrado. Então um dia, numa
 única nesga de ilusória sabedoria, a pedra entendeu por fim, que precisava de alguém que vivesse
numa casa sem janelas, sem telhados de vidro e sem espelhos. E resolveu anunciar a sua procura no
jornal da cidade. Mal viu o editor do jornal, ofereceu-lhe um pedaço de ouro, em troca de ser pulicado
o seu anúncio.
Percebendo as suas intenções malignas o editor acedeu ao seu pedido, mas, ao chegar à redação,
resolveu alterar ligeiramente o anúncio.

O anúncio da pedra.

Procura-se uma alma limpa de vida. De uma extrema  pureza..
Uma alma virgem, que permaneça parada, para  que  nenhum 
passo a corrompa, ou lhe viole a pureza. Uma alma que habite 
numa casa sem janelas nem telhados, onde  os  espelhos  não 
façam mais sentido e todos lhe atirem flores.  Uma  alma  que 
carregue o céu entre os dedos.  Procura-se um  morto,  para 
um trabalho simples e rápido. Como recompensa, uma pedra 
de ouro. A quem reunir estas condições, basta que responda
para a secção de anúncios deste jornal, e, ser-lhe-ão facultadas 
mais informações. 
Ass: A Pedra


Consta, que até hoje, ninguém respondeu ao anúncio.

Sónia M

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

DÚVIDAS




Não queria escrever-te. As palavras permanecem mortas nesta folha de papel, sem haver quem as declame ou as cante aos quatro ventos. Tal como as folhas secas de outros outonos, quando chega o inverno, que as varre até ao rio, onde apodrecem e se afoga o que delas resta. Nem sempre foi assim. Houve um tempo em que as estações não nos atingiam, passavam todas ao lado. Aqui dentro era sempre primavera florida, regada com a seiva que fluía dos nossos corpos. Nunca admitimos a chegada das estações. E porque nunca admitimos, existia apenas uma. Éramos invencíveis. Não te admito que o esqueças e muito menos que baixes os braços. Não tenho mãos que cheguem para afastar os temporais e do lado de cá, já pouco resta. A solidão enfraquece-me tanto quanto a ti. E o mundo pesa mais para quem está só. Por isso hoje não queria escrever-te. Sei que esta folha, mal me caia das mãos, seguirá o curso das estações. Deixando-nos a sós com o silêncio das árvores.

Sónia M

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A viagem

Sonia M



A estação era fria. As pessoas caminhavam lentamente, arrastando pesadas malas. Num repente, comecei a ouvir alaridos de espanto. Uma velha vestida de branco, havia subido à torre do relógio e sem que ninguém soubesse como, sentou-se no ponteiro das horas. Os viajantes, aos poucos, foram abandonando a bagagem, concentrando-se por baixo da torre. Tentavam convencê-la a que descesse e ela recusava, dizendo não ser ainda a hora. Alguém chamara a policia, que tardava. Todos os olhos estavam agora postos no ponteiro das horas, até os meus, e naquela mulher misteriosa. Envergava uma camisa de dormir branca de bordado inglês, que subira até às coxas. Uns longos cabelos, completamente brancos, tocavam-lhe nos joelhos. Com as duas mãos, segurava um saco de ráfia, que parecia cheio e ela olhava para cima, com um olhar doce, como se visse estrelas e não a estrutura metálica da estação.


Não sei quanto tempo passou. O relógio da estação deixou de marcar o tempo e o meu relógio de pulso também. Desconfio que nenhum relógio funcionava. Mais que uma vez, vi entre os que ali estavam, de olhares desorientados, perguntar a uns e outros as horas, sem que ninguém soubesse responder. Incrédula, deduzi que o tempo, obedecia aquela mulher que todos tomavam por suicida. Fiquei curiosa. O que haveria dentro daquele saco de ráfia? Como se se apercebesse da minha curiosidade, a mulher olhou-me. Apontou-me o dedo e pediu-me que chegasse mais perto. Obedeci. Abriu o saco e retirou lá de dentro uma mão cheia de ponteiros, dizendo que era chegada a hora. Com uma agilidade inesperada colocou-se de pé em cima do ponteiro, ficando assim, de costas viradas para o corpo do tempo, pisando o braço das horas. Ao mesmo tempo que uma nuvem de pombas brancas, invadia a estação, esvoaçando por cima da torre do relógio e da velha, que já nem me parecia tão velha. Voltou a olhar-me, esticando a mão cheia de ponteiros e disse-me
- Isto foi teu. Perdeste tantos, como o tanto que pesa a tua mala. Vê!
Lançou-os, como se atirasse comida às pombas, que os recolheram ainda no ar, e, desapareceram com eles no bico. 


Voltou a enfiar a mão dentro do saco, retirando mais um punhado de ponteiros. Desta vez olhou para a mulher ao meu lado e repetiu a operação. Repetiu-a com todos os viajantes que a olhavam em silêncio, como se esperassem a sua vez. A cada vez que o fazia parecia perder idade. Quando o saco ficou vazio, não era mais que uma criança, de uns 7 ou 8 anos. Abriu os braços e saltou. Naquele momento, um anjo caía da torre do relógio. Antes que atingisse o chão, 7 pombas agarraram-na, elevaram-na e desapareceram com ela. Consternados, os viajantes olhavam-se entre si, tentando perceber, se o que haviam presenciado fora real, ou apenas uma alucinação partilhada, que ninguém quis explicar à policia, quando finalmente chegou. O único crime que encontrou, foi tempo perdido.


Ouviu-se a última chamada para o último comboio da noite. O relógio da torre marcava agora 5 minutos para a meia noite. Após 1 ou 2 minutos de despedidas, a estação ficou vazia e o comboio cheio. A vida prosseguiu como se nada. Quando peguei na minha mala, pela primeira vez percebi-lhe o peso. Hesitei, mas acabei por a deixar ali mesmo e entrei no comboio. Afinal, a ternura é leve e não precisa de bagagem. Nenhum tempo se perde ou envelhece com ela.Talvez seja isso, o único que me faz falta, nesta viagem.


Sónia M
, desejo que a vossa viagem seja leve