sexta-feira, 14 de novembro de 2008

FRUSTAÇÃO

João Almeida

Não faz sentido!
Estes dias,
que de tão parecidos
parecem um só...
longo e penoso.
Despercebidos
São os meus passos,
tontos e tortos...
que se arrastam
levando meu corpo cansado.
Não faz sentido!
O desperdício...
Amor que se esgota
ou se omite,
ou sei lá se existe.
Percebíveis,
são as vozes
que abandonam o canto
e a rima
destroçando sentimentos.
Não faz sentido!
As atitudes,
convivência arranhada,
no meio só de amigos, irmãos,
caboclos da mesma aldeia.
E se deu a partida!
Para trás,
O testemunho da vida...
Alfinetadas nos olhos
de muitos,
doce colírio nos olhos de poucos.
Não fazia sentido!
Ver crescimentos, amadurecimentos,
E os meus cabelos brancos
seguindo os passos
acelerados do tempo...
E por quanto tempo ?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O NATAL VEM AÍ.

A.J.Faria



Será que vem mesmo?
Ou não será apenas mais uma oportunidade
para muitas luzes, muita música, muitas prendas,
e após tudo isso sentir um enorme vazio?
*
O Natal vem aí.
Será que vem mesmo?
Ou não será apenas mais uma oportunidade
para oferecer um pouco de pão aos carenciados,
e esquecê-los nos restantes dias do ano?
*
O Natal vem aí.
Será que vem mesmo?
Ou não será apenas mais uma oportunidade perdida
de nos reconciliarmos uns com os outros,
respeitando as diferenças de cada um?
*
O Natal vem aí.
Será que vem mesmo?
Ou não será apenas mais uma oportunidade em que as pessoas
se preocuparão em cumprir um ritual,
enfatizando o acessório em detrimento do essencial?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Certidão

poema do Zélogueiro do jornal Correio Brasiliense

palavra
e montanha
também se gastam
como velas acesas,
se consomem aos poucos
se transformam em pó com o tempo
depois aparecem em outra forma
diferente: poeta, lixo, lodo, diamante.

A vida de quem vive para a palavra
é tonta, embrulhada, cheia de madrugadas,
não tem certeza de nada,
tragédia, conto de fadas.

Porque palavra
é sinônimo de alma
alma é sinônimo de asas
asas de bêbados,
que tocam em nuvens sem sair do lugar.
Asas do menino apaixonado
pela professora de literatura,
que escreve no banheiro da escola
o Soneto da Fidelidade
“que não seja imortal, posto que é chama”
e os amigos não entendem
os motivos daquele coração.

Palavra
anda no bolso
em guardanapos amassados,
em livros com letras de ouro,
em lábios finos...
Não tem morada certa,
dorme em qualquer lugar
acorda sempre para dois goles de vinho.

Para uns
palavra é ilusionismo,
mordida na nuca,
para outros
é concreto, ônibus lotado,
unha encravada,
mas de nada vale se ela não estiver
perfumada de vida.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

AINDA , AS MINHAS SAUDADES

João Almeida

Ontem num Shoping, minha filha convidou Maria para tomar um sorvete, numa barraquinha, num canto, quase na saída para o estacionamento. Se não fosse os adereços e cores da MC DONALD’S, poderia ser comparada a qualquer ponto de salgados que existem em cada canto da cidade. Enquanto a moça enchia copos de isopor mergulhei no lago das recordações, das minhas saudades....
Hoje não tomo mais sorvetes, não regularmente, como fazia na lanchonete da LOJAS BRASILEIRAS a LOBRÁS na Avenida Sete. Sorvete de umbu com salada de frutas, ou sorvete de qualquer outra fruta, mais sempre com salada , eles a minha saudade não troca pelos sundaes e mc-colossos dessa lanchonete americana, nem as AMERICANAS eu trocaria pelas LOJAS BRASILEIRAS. Enquanto sigo para casa as minhas saudades seguem outro rumo, primeiro se senta no balcão da CUBANA, na saída do Elevador Lacerda, ali não tomo sorvete, mas um guaraná espumante com bolinho de arroz. Ah! minha saudade! que perversidade me levar no pensamento para um cantinho tão bom.... Da CUBANA a minha saudade vai sentar na mesa do RESTAURANTE FLOR da SÉ e saboreia um bife com fritas. Alimentada, a minha saudade bate perna sob o viaduto da sé, segue pela Rua Rui Barbosa, e me leva novamente para a Avenida Sete e me empurra para dentro da MESBLA. Quem conheceu certamente sente falta, nada igual ainda não apareceu no comércio desta cidade. Saudades da MESBLA! Já que entrei pela Avenida Sete, a minha saudade me tira dali pela saída para a Rua Carlos Gomes e me bota sentado na última fila, numa aula de geografia no GINÁSIO do SERVIDOR PÚBLICO, onde o olhar sereno do professor Vicente dá uma volta na sala e sua voz firme diz: copiarrrrr.
Chego em casa e guardo minhas saudades...
Ah! Minhas saudades! Não troco vocês por nada, vocês estarão sempre bem guardadas no meu bauzinho.

Hoje eu abri meu bauzinho de lembranças...
Já abri outras vezes ...
numa manhã de sol, de chuva, de nada...
meu bauzinho que já abrir tantas vezes
posso nem querer abrir de novo,
pra não ficar triste com tantas diferenças....

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A ÚLTIMA ENXADINHA DO MEU PAI

João Almeida

A última enxadinha do meu pai ainda existe. Capinei com ela , Maria também, até que o meu irmão resolveu transforma-la em peça de recordação, aliás atitude muito justa, assim ela foi pendurada num canto da sua casa do sítio. Quando decidi retornar às minhas origens, não pensei que iria remexer tanto com a terra, pois é a tarefa que me da mais prazer, então sigo horas capinando, chegando terra, fazendo “bunda suja”, cavando, plantando e colhendo, assim conheço todo tipo de mato, não gosto da expressão “erva daninha” tenho um certo respeito por elas, os meus olhos de “biólogo rude” enxergam mais além, mas não tem jeito, tenho que retira-las para abrir espaço para as plantações e depois mante-las fora da área por uma questão de reserva dos nutrientes que os meus pés de aipim e cia. precisam para desenvolver-se. O que o “biólogo rude” enxerga mais além são certos detalhes dos matos que nascem sem ninguém plantar e com uma rapidez extraordinária. A “Balaio de Veio” apesar do seu tamainho tem uma copa redonda com flores esféricas lilás, suponho que cada uma ocupe mais ou menos um metro quadrado. Já o “Canela de Anum” é o contrário, chega a mais de um metro, de caule fino amarronzado se assemelha a canela do pássaro que lhe empresta o nome. A Beldroega é um caso à parte, amanhece quietinha e nos primeiros raios do sol se enfeita de flores amarelas, colorindo o campo e recebendo as visitas de abelhas silvestres que nelas colhem a matéria-prima para fabricar doce mel.. Já vi na loja de produtos agrícolas “sachês” com sementes de Beldruegas pra ser plantada como hortaliça, mas pra que sementes se ela se multiplica aos milhares ?, e se não arrancar direito ela volta a viver sorrindo com suas flores . Tonho disse, que pra se livrar de Beldruega, só se arrancar, botar no carrinho de mão, abrir um buraco e enterrar. A abundante plantinha tem os talos cheio d´água e o melhor é que na Internet tem até receita de como preparar várias comidas com Beldruega. Ai se o povo da região levasse a sério estas notícias...enxada pra Beldruega nunca mais, até que o povo enjoasse da iguaria.. Ninguém por lá sabe, nem o meu vizinho Timba, meio curandeiro fazedor de garrafadas e chás, mas, a Beldruega é bom remédio nas afecções do fígado, bexiga e rins, o suco cura inflamações nos olhos, os talos e as folhas machucadas aliviam a dor das picadas de insetos e queimaduras e facilita a cicratização das feridas. Acho que vou ser um protetor das Beldruegas, a que eu arrancar eu planto noutro lugar e Balbina e Maria que se vire, quero Beldruega na mesa.
A variedade de plantas se eu pudesse catalogar seria muito extensa, o meu negócio mesmo é levar a vida capinando pois assim torno as minhas horas mais interessantes, uma mordidinha de formiga aqui, uma ferroada de maribondo ali, de vez em quando um susto com uma cobra coral e outras espécies, até que chegue quatro horas da tarde, horário definido para encerrar minhas atividades, assim sendo pego o caminho de casa, ou melhor, da sombra rendada da Sibipiruna, ou na da Mangueira que engatinhou até o jardim. Descalço as botas, e fico a esperar as visitas dos pássaros ouvindo as músicas que se dispersa pelo sítio saindo da vitrola moderna de Maria.(detesto os termos “home theater”.)..não se ajusta ao romantismo da hora muito menos ao gênero musical, tão poderoso que faz ela ter preguiça de descer da rede e vir me acompanhar no prazer visual do fim de tarde. Mas ela vem, como vem os Tiês, os Sanhaços, os Cardeais, Pegas, Bem-te-vis, Sabiás, Tzius,as rolinhas Fogo-pagô e Caldo de feijão, e tantos outros amigos de asas, e eu bebericando uma cervejinha até o dia começar escurecer.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

ARTE DE SER FELIZ

Cecília Meireles





Houve um tempo em que minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costuma pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz. Houve um tempo em que minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? quem as comprava? em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? e que pessoas iam sorrir de alegria ao recebe-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma muito difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mãos umas gotas de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope deVega. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O AMOR IMPOSSÍVEL

NICOLAS BEHR


quando deixo o meu amor impossível na rodoviária,
de noitinha, meus olhos compridos seguem-na até perdê-la
no turbilhão das gentes


imagino meu amor impossível na fila do ônibus, altiva,
altaneira, orgulhosa de si e de mais um dia de trabalho


os olhares em direção ao meu amor impossível são muitos

— olhares de cobiça como os meus (o olhar dos famintos)


alguém oferece ao meu amor impossível

um pastel, um caldo de cana ou um chocolate
hoje não, outro dia (meu amor impossível é educadíssima!)


meu amor impossível entra no ônibus, passa pela catraca

— o cobrador finge que separa o troco mas olha os seios do
meu amor impossível, de soslaio, exatamente como eu faço

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Poemeu - A superstição é imortal

Millôr Fernandes


Quando eu era bem menino
Tinha fadas no jardim
No porão um monstro albino
E uma bruxa bem ruim.

Cada lâmpada tinha um gênio
Que virava ano em milênio
E, coisa bem mais perversa,
Sapo em rei e vice-versa.

Tinha Ciclope,Centauro,
Autósito, Hidra e megera,
Fênix, Grifo, Minotauro,
Magia, pasmo e quimera.

Mas aí surgiram no horizonte
Além de Custer e seus confederados
A tecnologia mastodonte
Com tecnologistas bem safados
Esses homens da ciência me provaram
Que duendes, bruxas e omacéfalos
Eram produtos imbecis de meu encéfalo.
Nunca existiram e nunca existirão:
uma decepção!

Mas continuo inocente, acho.
Ou burro, bobo, ou borracho.
Pois toda noite eu vejo todo dia
Tudo que é estranho, raro, ou anomalia:
Padres sibilas
Hidras estruturalistas
Ministros gorilas
Avis raras feministas
Políticos de duas cabeças
Unicórnios marxistas
Antropólogas travessas
Mactocerontes psicanalistas
Cisnes pretos arquitetos
Economistas sereias
Democratas por decreto
E beldades feias
Que invadem a minha caverna
E me matam de aflição
Saindo da lanterna
Da televisão.

terça-feira, 29 de julho de 2008

As minhas saudades....


João Almeida

Eu não troco minhas saudades por nada! Por este “agora”, por hoje nem pelo futuro!

Não troco a minha infância na roça, pela infância nos parques... As fruteiras pelos Fast food.

Não trocaria os trens (todos foram extintos) por metrôs do futuro. (ainda em construção em Salvador) Nem a Maria Fumaça eu trocaria.

Não trocaria meus professores com quadro-negro, pelos leves toques em teclas de controles e teclados.

Não trocaria o corredor da rua Chile pelos espaços de nenhum shoping. Não trocaria as vitrines do Adamastor, da casas Slloper, da Washi e etc , etc, etc.... Nem a Av. Sete, muito menos a Baixa dos Sapateiros também não trocaria.

Não trocaria o Cine Guarani, Tamoio, Exelsior, Liceu e o Cine Tupy por nenhum Multiplex.

Não trocaria as cadeiras de madeira do cine PAX nem do Jandaia onde assistir dois filmes de Cawboy custava pouco...

Não trocaria a Dama de Roxo, por nenhuma maluca solta por aí, quase em cada esquina.

Não trocaria o time do meu BAHIA de 59 pela seleção alemã, francesa nem italiana. Por esta seleção brasileira de hoje ?, mas de jeito nenhum... A minha saudade sabe o que está dizendo...

A minha saudade não troca a Fonte Nova só com o anel inferior por nenhum estádio do mundo. Quando não tinha dinheiro arranjava um lugarzinho no morrinho lá no Jardim Baiano de onde dava pra ver um bom pedaço do gramado. Naquela Fonte Nova, vibrei, chorei e até sofri. Assisti várias Olimpíadas Baiana da Primavera e que a minha saudade não trocaria nem pelas olimpíadas mundiais, espetaculares e com atletas que da gosto de vê na tv, superação de marcas a cada ano. Mas e os atletas da minha saudade? Simples, alunos jovens, uma geração com um perfil de quem infelizmente não ficou cópia .

Pela minha saudade da Praça da Sé, dos botecos das transversais estreitas, ligação com a Saldanha da Gama, eu não trocaria por nenhuma praça incravada nos shopings, espaços que se multiplicam muito bem organizados mas onde não se vê o lado humano. Se você não levar ou não tropeçar por acaso em algun conhecido, vai sentir falta das piadas de Ariovaldo, da voz afinada de Benigno, e das meninas exalando um perfume adocicado com sorrisos maliciosos .

A minha saudade debruçada diante da Bahia de Todos os Santos se fortalece com o mesmo mar, se o olhar for rasteiro, roçando as águas, ele está lá. Para o lado da Contorno existe uma obstrução que a minha saudade não gostaria que estivesse ali.

Não trocaria a minha saudade por nada...Não! não trocaria até a do nosso amor na juventude, Maria!

Só na Ribeira me senti como se ali estivesse aqueles tempos, tempos que ainda não precisava sentir saudades! Tudo lá é muito parecido com a Peníssula de antigamente.

Tudo muito novo, moderno, avançado... Mas como me dá saudade de tempos passados.... Nada tem a mesma cor, o mesmo cheiro, o mesmo sabor...

sábado, 26 de julho de 2008

CANÇÃO DE OUTONO


Cecília Meireles


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.


Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...




Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.


Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles

quarta-feira, 9 de julho de 2008

VIRANDO PÁGINAS

João Almeida


1949, 25 de maio,

terça feira, madrugada.

Lá vem eu!

Olha lá eu!

numa casa grande de corredor,

com quintal plantado,

e o rio Subauma

correndo lá no fundo.



Lá vem eu!

engatinhando pelos degraus,

pegando o corredor

até me pendurar

na grade da porta da frente.



O tempo passa,

e olha lá eu,

já do outro lado da porta

na sombra do tamarineiro.



O tempo passando,

e lá vai eu

subindo a rampa,

brincando na feira

e pulando vou descendo

pra rua de baixo.



Vejam! olha lá eu

mergulhando no pocinho...

---Menino! Tu vai pegar um resfriado!

Me enxugo no sol

e subo o morro dos araçás .



Agora já rapaz, olhem eu

atravessando a pinguela,

encontro incerto, ninguém por perto...



Lá vem eu!

Pegando o trem .

Daqui dá pra ver

minha felicidade

não veio na bagagem.



Olha lá eu!

desembarcando assustado,

seguindo para uma casa vazia,

morada dos outros, minha morada.



Olhem lá eu

expulso da morada dos outros

sem saber pra onde ir

com vontade de pegar o trem de volta.



Olhem eu ficando,

trabalhando, labutando,

encontrando o dia

depois de noites perdidas.



Olha lá eu!

Doente, julgado imprestável,

afastado...



Mas, olha lá eu!

recuperado, reintegrado.



Olha eu poeta!

pérolas e baboseiras

num círculo de sentimentos

arrancados pela sinceridade.

poemas perdidos, esquecidos

na verdade mortos...



Lá vem eu!

chorando, chorando, chorando...

Mas olha lá eu!

sorrindo, sorrindo, sorrindo.



Olhem! sou eu mesmo!

bêbado incompetente,

sem atitude, incoerente,

ficando diante de barcos que partem,

caminhando pelas praias desertas

e deserto.



Vejam! Olha lá eu!

engolindo sem vontade,

sóbrio numa roda alcoolizada.



Lá vem eu!

escorregando esperança abaixo,

julgado culpado sem culpa,

culpado absolvido.



Olha lá eu!

sem saber o que dizer,

falando pra valer palavras perdidas

e calado encontrando palavras

que nunca serão ditas.




Observem eu encontrando o sol!

escondido por trás de pesadelos

dos passos apressados da vida..



Olhem! Olha lá eu!

Se vocês prestarem bem atenção

Vão me ver sufocado

num espaço sem saída,

enquanto o tempo

muda a cor da vida

descolorindo o que deixei de viver.



Olha lá eu!

capengando de dor,

gemidos que não chegam

a nenhum ouvido.



Mas olha lá eu!

andando firme, corajoso,

olhem eu chegando,

olhem eu chegando!

chegando, chegando,

olhem eu aqui...



Salvador , 26/02/96.

domingo, 11 de maio de 2008

BOM DIA



João Almeida


Bom dia.

---bom dia!

abri o portão

e disse "bom dia!"

a caminho da padaria

"bom dia!"

seis pãezinhos , os mais moreninhos....

"bom dia!"

a menina do caixa

falou primeiro, "bom dia!"

O jornaleiro

joga o jornal por cima da grade

e diz : "bom dia!"

subo as escadas

a velha com preguiça

não abre a boca,

não responde meu "bom dia!"

Procura inútil...

não tem fósforo,

mas não importa,

eu quero um "bom dia!"

Digo ao velho

Descendo as escadas

"bom dia!"

"Bom dia!" responde

as sandálias do velho

se arrastando

pelos degraus.

"Bom dia!"

O homem da barraquinha

não responde,

apenas diz: trinta centavos!

Sacudo a caixa de fósforo

Batuco um sambinha

que diz: "bom dia"

Volto correndo

para o meu café,

risco o fósforo

com vontade de dizer

muito mais "bom dia!"

Enquanto a água esquenta

vou para janela

com vontade

de ter um "bom dia!"


quinta-feira, 20 de março de 2008

VOU EMBORA

Margarida Almeida


Vou embora, vou embora eu aqui não fico mais...
Meus pés gritam por liberdade, já não conseguem fazer o show em cima dos saltos. Minhas mãos estão cansadas do toc toc das teclas. Minha pele reclama do perfume francês, quer o aroma que exala do patchulin nascido ao acaso, irrigado pelas águas que correm pelos regos despejadas dos canos. Meus olhos já não fotografam mais a beleza do concreto transformado em arte. Meu paladar rejeita o gosto do pão misturado com bicarbonato. Meu corpo cansou dos estofados macios forrados de tecidos fabricados por máquinas robóticas; clama pelo tapete verde da relva, que o embala ao som do rio que corre sem nunca parar em busca do seu puro e satisfeito gozo - a pororoca. Quero mesmo é sentar-me à tarde sob a copa das árvores para vê os meus amigos passarinhos brincarem, tomarem banho, gorjearem... E ao entardecer colocar um som bem cafona - de preferência sertanejo, daquelas duplas bem antigas como Milionário e José Rico - moda de viola, seresta, boleros, enfim tudo que fale de natureza ou romantismo.
Quero colocar a mão na terra, sorrir de felicidade com o desabrochar do primeiro botão de flor daquela plantinha, que cresceu cercada de tantos cuidados, de tanto amor. E os frutos suculentos das mangueiras, cajazeiras, goiabeiras, jambeiros, bananeiras, ateiras ... Que me perdoem as ervas-daninhas, mas nada mais gratificante que vê as hortaliças todas verdinhas, livres do abraço dessas danadas que sufocam e matam, a balançarem as folhas ao mínimo sinal de brisa, como se querendo dizer muito obrigada. É sublime!
Liberdade aqui? Que nada! Sucumbiu entre as paredes de um apartamento chaveado, gradeado, como se fossemos nós os animais, enquanto as bestas-feras andam livres fazendo vítimas e mais vítimas com seus instintos selvagens.
Vou embora, vou embora, eu aqui não fico mais...

sábado, 16 de fevereiro de 2008

COMPORTAMENTO

Ruy Maurity

Composição: Ruy Maurity / José Jorge

Já não tenho guardado comigo
O antigo brinquedo
Que durante um bom tempo da vida
Só me deu prazer.
Nem por isso estou menos contente ou desencantado.
Aprendi que a vida tem mesmo que acontecer...

Já não tenho vergonha
Das roupas usadas que eu ganho.
Não confiro o troco
É pouco o que tenho a perder.
Cada um traz no bolso a chave do mesmo tamanho.
Descobri que sei tanto de mim quanto sei de você...

Sim, é verdade muito embora difícil de crer,
Eu troquei meu passado por nada,
Pois cansei de brincar de esconder.
Não esquento a cabeça, não ligo,
Se o que foi poderia não ser
O presente nascendo comigo,
Toda vez que eu olho pra ver...

domingo, 10 de fevereiro de 2008

E POR QUE ?

E por que isso morena?

Ainda que não valho a pena,

por que ?

Não seria eu

Um intruso com boas intenções?

Estavas só

quando me aproximei...

Interrompi sua espera

que não era por mim.

Mas por que?

Porque era eu que te queria

me oferecendo sem inquirir

se me querias...

não me lembro

se insisti tanto

até te ter nos braços,

e malinando tanto

você foi gostando

e ficando,

talvez acorrentada no prazer.

Arrependimento

me tornou insosso, sem sabor,

alimento que não

lhe satisfaz mais.

Está claro! O quanto gostas

e não gostas de mim.

Mas eu sim,

Dono de um imbecil querer,

Que nem sei

Se lhe devo chamar de amor.

Forte!

Tão, que só eu sei

Quanto é frágil

O que resta dentro de mim.

sábado, 26 de janeiro de 2008

SAUDADE EM QUADRAS


Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia...
Dentro da casa: saudade!
E na saudade: Maria!
( Anis Murad - RJ )

Saudade, a ponte encantada
entre o passado e o presente,
por onde a vida passada
volta a passar novamente
( Archimino Lapagesse _RJ)

Debaixo de nossa cama,
que tu deixaste vazia,

o meu chinelo reclama
o teu chinelo - Maria.
( Anis Murad - RJ )

Ah, coração, tem piedade...
Batendo tão forte assim
vais acordar a saudade
que dorme dentro de mim...
( Orlando Brito - São Paulo )

Um carro de bois cantando
na tarde que morre em ânsia,
vai, pesado, carregando
saudades de minha infância.

( Denancy Mello Anomal - Campos )

Foi tão bom o amor de outrora
que contigo já vivi,
que estando ao teu lado agora,
sinto saudades de ti...
0(Zaira de Azevedo Conrado Leite )

De Portugal foi trazida
veio da Minho ou da Beira.
Hoje ninguém mais duvida
que a saudade é brasileira
(Osório Dutra - RJ )

Um carro de boi gemendo,
um longo apito de trem,
uma porteira rangendo,
isto é saudade também!
(Carolina Azevedo de Castro - Petrópolis )

Saudade é noite de lua,
entre sobrados antigos,
e a gente só, numa rua,
lembrando velhos amigos.
( Consuelo Jardim de Miranda - BH )

A Saudade da Bahia
tem o agridoce do umbu,
o cheiro da manga-rosa,
o pigarro do caju
( Jayme de Faria Góis -Rio )