Sonia M.
Há muito muito tempo atrás, uma tempestade apoderou-se da noite. Chuva,
vento e relâmpagos invadiam os céus, num cenário medonho. O vento varria
brutalmente os campos que circundavam a cidade,arrastando pelos ares as
pedras mais pequenas. Sendo depois largadas nas ruas, nos telhados e nos jardins,
inundados pela chuva. Uma dessas pequenas pedras, guardava ouro no seu interior
e ao ser atingida por um relâmpago, os deuses, num descuido, deram-lhe vida.
O sossego daquela pacata cidade foi devastado. Pela
manhã todos os habitantes uniram esforços para limpar as ruas e repor a ordem.
Limparam telhados, escoaram a água dos jardins, retiraram todas as pedras das ruas.
Todas, menos uma. A pedra viva, permanecia em frente a uma janela e por mais que
todos se esforçassem ninguém a conseguia mover. Não tinha braços nem pernas, mas
ganhara boca. Sempre que a abria era com o intuito de rebaixar e humilhar os que com ela
tropeçavam.
No inicio, talvez pela febre do ouro, ou encantados por aquele pequeno milagre, muitos se
aproximaram dela, mas, mal lhe ouviam a fala pesada, depressa se afastavam. Com o tempo
acabou por cair no esquecimento. Não passava de uma pedra no caminho. Uma pedra rica mas
odiosa. Passou tanto tempo em frente àquela janela, que começou a invejar a vida que via
do outro lado da vidraça. Se falavam, se riam, se choravam, se erravam, se acertavam.
Tudo na vida, que aquela janela lhe mostrava, se tornou numa
obsessão para a pedra. A sua mente de pedra era tão mesquinha, que achou que tinha um único
propósito na vida, um único destino: romper aquela vidraça. Havia noites em que a Lua,
com uma extrema paciência, lhe ouvia os gritos de raiva e inveja, sempre que se via ignorada e
desprezada por todos. Tentava até acalmá-la, dizendo-lhe que se olhasse melhor à sua volta,
talvez encontrasse um outro propósito para aquele acidente de vida, que não fosse o de
destruir propriedade alheia. Mas ela nada ouvia.
Oferecia ouro a quem a atirasse. Todos se negavam, afinal também eles tinham janelas. De que lhes
serviria depois o ouro, a não ser para consertar o que também podia ser quebrado. Então um dia, numa
única nesga de ilusória sabedoria, a pedra entendeu por fim, que precisava de alguém que vivesse
numa casa sem janelas, sem telhados de vidro e sem espelhos. E resolveu anunciar a sua procura no
jornal da cidade. Mal viu o editor do jornal, ofereceu-lhe um pedaço de ouro, em troca de ser pulicado
o seu anúncio.
Percebendo as suas intenções malignas o editor acedeu ao seu pedido, mas, ao chegar à redação,
resolveu alterar ligeiramente o anúncio.
O anúncio da pedra.
Procura-se uma alma limpa de vida. De uma extrema pureza..
Uma alma virgem, que permaneça parada, para que nenhum
passo a corrompa, ou lhe viole a pureza. Uma alma que habite
numa casa sem janelas nem telhados, onde os espelhos não
façam mais sentido e todos lhe atirem flores. Uma alma que
carregue o céu entre os dedos. Procura-se um morto, para
um trabalho simples e rápido. Como recompensa, uma pedra
de ouro. A quem reunir estas condições, basta que responda
para a secção de anúncios deste jornal, e, ser-lhe-ão facultadas
mais informações.
Ass: A Pedra
Consta, que até hoje, ninguém respondeu ao anúncio.
Sónia M
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