(AD)
Você
já viu que riqueza é um "velho"? Velho é um livro que fala. Isso, meu
avô materno era isso: um livro que falava. Ele era cheio de contos.
Esse
velho sempre foi um menino, mas poderia notavelmente ser identificado
como passarinho, e podia voar perfeitamente com a única asa que possuiá,
já que a outra uma granada levou. Que beleza carregava aquele homem e
vice-versa.
Dia
feliz era o do passear com ele, íamos a pé, porque os cavalos não
estavam na "moda" mais nas cidades, mesmo na minha, interiorana de
poucos habitantes, além do mais não havia necessidade de carro.
Havia
um tempinho tinham deixado os cavalos em paz, coisa essa que agradava
muito meu avô por ser assim tão livre e enxergar liberdade em todas as
criaturas de Deus. Tão simples, tão da terra, tão precioso! Meu avô
tinha cheiro de café - plantado pelas suas próprias mãos de homem
trabalhador. Trabalh-a-dor. Sim, ele fazia isso com uma sabedoria de
grego.
Hoje
eu sei, não reparava quando criança, que meu avô sabia dar flor em
troca dos espinhos. Inacreditável existir gente assim, ainda mais pra
quem acostumou com a velocidade e o individualismo das cidades grandes.
Mas ele existiu e marcou minha vida.
Lembro
que antigamente na minha cidade ás vezes faltava luz. Era um terror pra
mim e meus primos porque de costume as tias matracas inventavam
monstros da escuridão. então, ele juntava nós todos e contava histórias.
Não eram histórias de bicho papão, mas de heróis, aqueles que
despertavam em nós personagens que poderíamos ser, e a vida ficava tão
cheia de vontade de viver. De repente o escuro passava e eu podia
perceber que uma luz me iluminava no céu. Ele me trazia luas.
Emily
Dickinson disse uma vez que "para fazer uma campina é preciso um trevo e
uma abelha. Um trevo, uma abelha e fantasia, mas faltando abelhas,
basta a fantasia" Era assim que aqueles olhos chumbados da liga metálica
que lhe explodiu nas mãos viam o mundo. Nunca vi o olhar dele ficar
cinza, nem a esperança virou fumaça. Nunca exigiu retalhações do
governo, nem fazia do braço que não tinha uma bandeira vitimada. Fazia
do seu terror uma história de ninar.
Hoje
sinto falta das suas visitas que corriam para me ver crescer. Hoje
sinto falta da lua que ele acendia quando o meu céu escurecia.
Foi
embora como o pássaro que era, suave, sem estardalhaços, cantando,
deixando paz, digno de toda doçura que deixou de semente para os netos.
E
sai das falas risonhas para ser transformado em livro, em história de
ninar para outros ouvidos pequenos, e pode ser sentido o seu abraço de
um braço só, de um amor que pode suportar bombas e florescer rosas.
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