Cecília Vilas Boas
Foi com o brilho dos olhos da minha avó que comecei a ondular palavras e a soltar
barcos que criava repletos de sonhos. Os seus cabelos brancos eram as nuvens onde
gostava de brincar. Perdia-me nas suas histórias. Inventava mundos onde a alegria
era imensurável. As veredas por onde caminhava a saltitar, dependurada da sua mão,
estavam tapadas de pólen. Passava as mãos pelas sabrinas e olhava os meus dedos.
Estavam cobertos por uma imensa luz. Com o brilho conseguia pintar sois e estrelas.
Olhava a minha avó nos olhos e bebia o seu sorriso tranquilo. Sabia que quando as chuvas
chegassem estaria protegida no seu colo, pelo seu amor. Sentia a sua sabedoria quando
me abraçava e dialogava comigo em silêncio, olhos nos olhos. No cabaz dos sonhos
guardei a bicicleta que me ofereceu quando um dia lhe disse que gostaria de conhecer o mundo.
Ainda ouço o seu coração. Batia fortemente quando falava da terra, das gentes, dos sentires.
Depois, apertava-me junto ao seu peito e viajávamos as duas de olhos fechados nos ventos
que sobrevoavam a nossa casa. Na primavera escutávamos os pássaros que vinham de sul no
voo sibilino do fim da tarde. Traziam sempre esperança nos olhos e liberdade nas asas.
Durante o tempo que permaneciam junto ao rio, nas árvores que davam frescura à nossa casa,
morava com eles. Trocava as palavras pelas asas. Era tanto o azul e o verde que os medos
ficavam coloridos. E éramos cúmplices neste silêncio que adubava o nosso coração.
Os pássaros, o vento, eu, a minha avó e as memórias (…)
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