domingo, 9 de junho de 2013

o brilho dos olhos da minha avó...

Cecília Vilas Boas

Foi com o brilho dos olhos da minha avó que comecei a ondular palavras e a soltar 
barcos que criava repletos de sonhos. Os seus cabelos brancos eram as nuvens onde 
gostava de brincar. Perdia-me nas suas histórias. Inventava mundos onde a alegria 
era imensurável. As veredas por onde caminhava a saltitar, dependurada da sua mão, 
estavam tapadas de pólen. Passava as mãos pelas sabrinas e olhava os meus dedos. 
Estavam cobertos por uma imensa luz. Com o brilho conseguia pintar sois e estrelas. 
Olhava a minha avó nos olhos e bebia o seu sorriso tranquilo. Sabia que quando as chuvas 
chegassem estaria protegida no seu colo, pelo seu amor. Sentia a sua sabedoria quando 
me abraçava e dialogava comigo em silêncio, olhos nos olhos. No cabaz dos sonhos 
guardei a bicicleta que me ofereceu quando um dia lhe disse que gostaria de conhecer o mundo. 
Ainda ouço o seu coração. Batia fortemente quando falava da terra, das gentes, dos sentires. 
Depois, apertava-me junto ao seu peito e viajávamos as duas de olhos fechados nos ventos 
que sobrevoavam a nossa casa. Na primavera escutávamos os pássaros que vinham de sul no 
voo sibilino do fim da tarde. Traziam sempre esperança nos olhos e liberdade nas asas. 
Durante o tempo que permaneciam junto ao rio, nas árvores que davam frescura à nossa casa, 
morava com eles. Trocava as palavras pelas asas. Era tanto o azul e o verde que os medos 
ficavam coloridos. E éramos cúmplices neste silêncio que adubava o nosso coração. 
Os pássaros, o vento, eu, a minha avó e as memórias (…)

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