Ao André, o menino dos porquês.
Numa manhã fria, como qualquer outra, encontrei o calor à porta de casa.
Estava vestido de branco, com um chapéu às cores, sentado no primeiro degrau da entrada.
Mantinha a mão direita, com os dedos a apontar para uma folha branca, que segurava nos joelhos. Todos os pássaros da cidade sobrevoavam a minha rua em círculos, como se esperassem que alguém, de repente, lhes atirasse migalhas de pão.
A imagem era tão irreal, que cheguei a pensar que ainda dormia e me passeava pelo sonho.
Belisquei-me. Doeu! Pensei em voltar a entrar em casa, mas quando dei um passo para trás, senti frio. Então, decidi aproximar-me. Desci, cautelosa, todos os degraus. À medida que me aproximava, ficava mais quente. Era como um bafo cálido que me envolvia todo o corpo.
Sem pensar, sentei-me ao seu lado. Foi então que vi que pelos seus dedos, a apontarem para aquela folha branca, desciam, brincalhonas e em grande algazarra, as letras que se amontoavam no seu centro.
Riam, saltavam por cima umas das outras, abraçavam-se, beijavam-se e eu, incrédula,
voltei a beliscar-me. Voltou a doer! Esfreguei os olhos, mas continuava a vê-las e a ouvi-las!
Eram tão alegres e coloridas como o chapéu às cores.
Com muito cuidado, como se não quisesse perder nenhuma, recolheu, com as mãos em concha, todas as letras da folha e levou-as à boca. Começou a mastigá-las. As bochechas eram agora gordas e redondas e, sempre que os lábios se entreabriam, saltavam pequenos pedaços, como raspas de lápis de cor, que caíam no chão. Os pássaros apressavam-se a recolhê-los e imediatamente ficavam azuis, tão azuis como o céu. Já não os via, mas sabia que eles estavam lá.
E ele mastigava...e mastigava, arredondava com os dentes cada letra, moldava-as e colava-as com a saliva umas às outras. Depois, com dois dedos em forma de pinça, puxava pelo canto da boca, palavra a palavra, e com elas encheu a folha branca. Aproximei a cabeça do seu ombro e comecei a ler o texto.
O que li era tão bonito, que depressa me chegou ao coração.
Quis perguntar como se chamava e, quando finalmente o fiz, a voz saiu-me rouca, quente, como um sussurro.
- Como te chamas?
E ele respondeu - Poesia.
Naquele dia, acho que encontrei um poeta.
Sónia M
Estava vestido de branco, com um chapéu às cores, sentado no primeiro degrau da entrada.
Mantinha a mão direita, com os dedos a apontar para uma folha branca, que segurava nos joelhos. Todos os pássaros da cidade sobrevoavam a minha rua em círculos, como se esperassem que alguém, de repente, lhes atirasse migalhas de pão.
A imagem era tão irreal, que cheguei a pensar que ainda dormia e me passeava pelo sonho.
Belisquei-me. Doeu! Pensei em voltar a entrar em casa, mas quando dei um passo para trás, senti frio. Então, decidi aproximar-me. Desci, cautelosa, todos os degraus. À medida que me aproximava, ficava mais quente. Era como um bafo cálido que me envolvia todo o corpo.
Sem pensar, sentei-me ao seu lado. Foi então que vi que pelos seus dedos, a apontarem para aquela folha branca, desciam, brincalhonas e em grande algazarra, as letras que se amontoavam no seu centro.
Riam, saltavam por cima umas das outras, abraçavam-se, beijavam-se e eu, incrédula,
voltei a beliscar-me. Voltou a doer! Esfreguei os olhos, mas continuava a vê-las e a ouvi-las!
Eram tão alegres e coloridas como o chapéu às cores.
Com muito cuidado, como se não quisesse perder nenhuma, recolheu, com as mãos em concha, todas as letras da folha e levou-as à boca. Começou a mastigá-las. As bochechas eram agora gordas e redondas e, sempre que os lábios se entreabriam, saltavam pequenos pedaços, como raspas de lápis de cor, que caíam no chão. Os pássaros apressavam-se a recolhê-los e imediatamente ficavam azuis, tão azuis como o céu. Já não os via, mas sabia que eles estavam lá.
E ele mastigava...e mastigava, arredondava com os dentes cada letra, moldava-as e colava-as com a saliva umas às outras. Depois, com dois dedos em forma de pinça, puxava pelo canto da boca, palavra a palavra, e com elas encheu a folha branca. Aproximei a cabeça do seu ombro e comecei a ler o texto.
O que li era tão bonito, que depressa me chegou ao coração.
Quis perguntar como se chamava e, quando finalmente o fiz, a voz saiu-me rouca, quente, como um sussurro.
- Como te chamas?
E ele respondeu - Poesia.
Naquele dia, acho que encontrei um poeta.
Sónia M
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