quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

DESEJO DE SER AVE

Gaivotas fazem é escorregar pelo céu. Gosto de ver. Liberdade elas lembram. Mergulham no nada e tem tudo. Nem o nome “gaivota” precisam. Dá vontade de ser pássaro.

Médico e louco só um cura o outro, e acho por isso só tenho um pouco de louco para me curar sozinho. Certa vez quis me curar sem asas de um mundo com peso de pequenos problemas, medido em contas vencidas, amores perdidos, um time de pernas de pau e de gente sangrando na cidade maravilhosa. A bula estava lá, esticado como uma segunda-feira, no sofá: o gato vivendo a sua felina vida sem contrariedades – desejei ser um. Ser um gato de verdade, daqueles que miam. Daqueles, como se diz por ai: têm sete vidas – porque gato de ser bonito, isso já sou! Ser gato de me ir por aí, noites sem muros, sem escuros, ronronando a atrair gatinhas, sabendo amar até de arranhões. Ah, uma vida a bel-prazer, uma vida que se caísse em qualquer circunstância de queda, seria de pé, sem sentir a dor da falta de autoconfiança. Mas como tudo que passa, demovi-me da idéia de ser bichano. Considerei, e se me castrassem? Há gentes que são cruéis com os animais. Sabe como é, gato que não é inteiro só tem prazer em comer rato. Não quis ser gato mais... Vai que a minha dona é a Chica!

Mas não sou louco e nem vou dizer por aí que estou feliz. É que quando a gente quer ser bicho a razão já não serve mais pra nada. Então eu não li nos jornais o que disse uma criança da favela do Alemão? “Sonho é ser um pássaro e voar da favela”. Nas palavras de W. de treze anos, bastava ter tido a sorte de nascer passarinho “para poder voar para bem longe da favela”. Assim, ele se livraria da violência na Favela da Grota, no Complexo do Alemão, em Ramos. Os bichinhos, que são gente, estão desorientados, com medo. Muitos deles não querem ir para escola porque não conseguem se concentrar. “Ficam agressivos – feito bichos mesmo – deprimidos e acabam fazendo xixi e dormindo sem querer”. Bastava ser pássaro – uma gaivota – para deslizar no céu do Rio de Janeiro. E quem sabe ver a maravilhosa cidade que nunca se vê a não ser na televisão?

Não me digam que é melhor encarar a vida de cara, tête-à-tête, sem farmácia e fantasia, porque não se trata de enfrentar a vida – é a morte que se encara – não é o coitadinho do bicho papão que se tem pela frente.

Não se pode ser gente em lugar que se mata até os sonhos das crianças. Porque ser gente não existe coisa melhor. Melhor do que ser bicho que voa de bem perto para bem longe, porque gente tem sonho.

Não há nada mais belo do que ser gente na melhor acepção da palavra: gente que não rouba do erário público, que não escandaliza no senado, que não emprega parente, que não falta com o respeito. Gente que não é brega e subdesenvolvida como aqueles que puxam saco dos poderosos, aqueles que não trabalham e recebem, que xingam no trânsito, gente que não está nem aí e maltrata bichos.

Eu por mim nunca vi nada mais belo do que gente simpática que pede desculpas no trânsito e gente que dá bom dia pro porteiro. Eu fico apaixonado e feliz uma semana inteira e até mais quando vejo gente assim de verdade.

Para os que ainda não são, abraço do amigo urso!


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