sexta-feira, 29 de junho de 2012

QUEM SOU EU ?
Meg Klopper

Sou quem ama Carlos Drumond que tinha uma pedra no caminho;
Que se encanta com o Guma do Jorge Amado e o amor da Zélia.
Chora com as canções do Gonzaguinha, de se perder, de se achar...
E com a mulher rendeira do Gonzagão que ele ensina a namorar.
E em certos dias quando penso em minha gente, trago o Vinicius na mente, e sinto assim todo meu peito se apertar...
Pasmo com a poesia da Florbella Espanca que lê
no misterioso livro do teu ser, a mesma história tantas vezes lida.
Amo Cora Coralina, que fazia poemas de amor
tão meigos, tão ternos, tão teus... Não sei... se a vida é curta...
Sou o Enigma de Clarice Lispector quando penso
Que "tenho várias caras. Uma é quase bonita,
Outra é quase feia. Sou um o quê? Acho que um quase tudo, talvez.
Ando no rastro dos poetas, porém descalça
Quero sentir as sensações que deixaram por aí.
Canto as canções do Jobim e vejo o Corcovado,
o Cristo Redentor, a garota de Ipanema...
Como João Bosco e Aldir Blanc, procuro Henfil num rabo de foguete...
Vejo um bêbado com chapeu-côco que me lembra o Carlitos.
Meu coração bate outra vez com a esperança do Cartola
E volto aos jardins para me queixar com as rosas
Fico em silêncio porque as rosas não falam,
exalam, simplesmente, o perfume que roubam de ti...
Do Mário Quintana, meu amado, existe um "Bilhete"
Pedindo que deixe em paz os passarinhos
Porque, se me quizeres, não gritará nos telhados
Me amará em paz, devagarinho, baixinho, porque
a vida é breve...vocês passarão e eu passarinho.
Enquanto isso, gritas em meus ouvidos e nada dizes
Deixa de me amar e faz meus dias passarem tristes
Entoa cobranças, me tira a esperança
Faz a vida mais do que breve, faz a vida vazia.
E Como Cecília Meireles, eu sou.
Em seu poema "Motivo da Rosa" ela ainda não sabe quem é, e diz assim:
" Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?"


domingo, 17 de junho de 2012

DO AMOR QUE ESTÁ EM FALTA.


João Almeida.

Porque eu não preciso falar de gente diferente,
do que seria o consequente,
a maneira de cada um ser...
Ser gente boa, boa gente
e ninguem encontraria pela frente
tristeza sem um ombro quente,
lágrimas cinzas em olhos de qualquer cor,
ambientes escurecidos pela dor.

Porque eu não preciso falar de gente
que não sente alem da sua própria dor,
falsidade em vez de solidariedade,
gente que não conhece o amor...
Não o amor de pronuncia fácil e indiferente
mas o que fere a mão no espinho e sente,
mas não deixa de acariciar a rosa simplesmente.
ama, ama e ama profundamente.
aqui , alí, aonde for

13 Linhas para viver .

- Gabriel García Marquez -







1) Te amo não por quem tu és, mas por quem sou quando estou contigo. 

2) Nenhuma pessoa merece tuas lágrimas e quem as merece não te faz chorar.


3) Só porque alguém não te ama como tu desejas, não significa que não te ame com todo o seu ser.


4) Um verdadeiro amigo é quem te pega a mão e te toca o coração.


5) A pior forma de sentir falta de alguém é estar sentado a seu lado e saber qeu nunca o poderá ter.


6) Nunca deixes de sorrir, nem mesmo quando estais triste porque nunca sabes quem podera enamorar-se de teu sorriso.


7) Podes ser somente uma pessoa para o mundo, mas para alguma pessoa tu és o mundo.


8) Não passes o tempo com alguém que não esteja disposto a passá-lo contigo.


9) Quem sabe Deus queira que conhecças muita gente enganada antes que conheças a pessoa adequada para que, quando no fim a conheças, saibas estar agradando.


10) Não chores porque já terminou, sorria porque aconteceu.


11) Sempre haverá gente que te machuque. Assim, o que tens de fazer é seguir confiando e só ser mais cuidadoso em quem confias duas vezes.


12) Converte-te em uma melhor pessoa e assegura-te de saber quem és antes de conhecer mais alguém e esperar que essa pessoa saiba quem és.


13) Não te esforces tanto, as melhores coisas acontecem quando menos esperas.
Tudo o que acontece, sucede por alguma razão...



- Gabriel García Marquez -

Felicidade


Luiz Tati


Não sei porque eu tô tão feliz
Não há motivo algum pra ter tanta felicidade
Não sei o que que foi que eu fiz
Se eu fui perdendo o senso de realidade
Um sentimento indefinido
Foi me tomando ao cair da tarde
Infelizmente era felicidade
Claro que é muito gostoso
Claro que eu não acredito
Felicidade assim sem mais nem menos é muito esquisito

Não sei porque eu tô tão feliz
Preciso refletir um pouco e sair do barato
Não posso continuar assim feliz
Como se fosse um sentimento inato
Sem ter o menor motivo
Sem uma razão de fato
Ser feliz assim é meio chato
E as coisas nem vão muito bem
Perdi o dinheiro que eu tinha guardado
E pra completar depois disso
Eu fui despedido e estou desempregado
Amor que sempre foi meu forte
Não tenho tido muita sorte
Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida
E feliz da vida!!!

Não sei porque eu tô tão feliz
Vai ver que é pra esconder no fundo uma infelicidade
Pensei que fosse por aí, fiz todas terapias que tem na cidade
A conclusão veio depressa e sem nenhuma novidade
O meu problema era felicidade
Não fiquei desesperado, não, fui até bem razoável
Felicidade quando é no começo ainda é controlável

Não sei o que foi que eu fiz
Pra merecer estar radiante de felicidade
Mais fácil ver o que não fiz
Fiz muito pouca aqui pra minha idade
Não me dediquei a nada
Tudo eu fiz pela metade, porque então tanta felicidade
E dizem que eu só penso em mim, que sou muito centrado
Que eu sou egoísta
Tem gente que põe meus defeitos em ordem alfabética
E faz uma lista
Por isso não se justifica tanto privilégio de felicidade
Independente dos deslizes dentre todos os felizes
Sou o mais feliz

Não sei porque eu tô tão feliz
E já nem sei se é necessário ter um bom motivo
A busca de uma razão me deu dor de cabeça, acabou comigo
Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser conseqüente
Mas desisti, vou ser feliz pra sempre
Peço a todos com licença, vamos liberar o pedaço
Felicidade assim desse tamanho
Só com muito espaço!

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sem limites!


2 de junho 2012
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by Téta Barbosa
A moça do vestido amarelo não tinha limites.
- “Quem tem limite é Município”, dizia seguindo o dito popular.
Ela, obviamente, não era Município. Nem louca, apesar de algumas opiniões contrárias.
Tinha 31 vestidos, uma coleção de garrafas vazias, três óculos escuros e nenhum limite.
Libertador, diriam uns.
Constrangedor, comentariam outros.
Amor sem-limite, ideias sem-limite e, o mais grave, falava e escrevia sem-limites.
- Onde já se viu isso? Perguntou a ruiva do oitavo andar.
- Todo mundo tem que ter limites! Avisou o vendedor de churros.
- E estranha que ela é?! Resmungou o porteiro da noite (aquele que tomava conta das estrelas para se certificar de que nenhuma tinha se apagado desde a noite anterior).
Estranha ela era.
Isso não tinha como negar.
Só bebia água natural (porque gelada não tem gosto), não assistia novela e seu hobby era pescar répteis (com vara, anzol e isca viva).
Estranha ou não, limite estava fora de cogitação. Por que? A resposta está nos sinônimos.
Afinal, quem quer demarcar a vontade, ou delimitar o desejo, ou restringir o abraço, ou pior, reservar a convicção?
Você quer?
Ela não!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A vida é um baile de máscaras.





Por Caio Fábio


Kierkegaard certa vez disse que a vida é um baile de máscaras.
Ele sabia que este era o escudo atrás do qual as almas se escondiam de si mesmas, e, assim, tentavam ocultar suas faces também para a percepção dos demais.
 A maioria quer ser famosa, mas poucos querem ser conhecidos!
Ora, usar máscaras, para muitos, não passa de truque, de um direito, de uma opção: ser ou não ser; mostrar ou não mostrar; como se tal bravata contra o próprio ser pudesse passar sem punição.
Para muitos, esconder-se atrás das máscaras é apenas um questão de proteção ou de diversão inexaurível e viciante.
Sim, acaba virando um vício do ser, a tal ponto que sem as máscaras muitos homens não suportam e morrem.
Assim, para a maioria, sem o personagem, acaba a pessoa.
Talvez esta seja a razão pela qual até agora ninguém conseguiu conhecer você, pois toda revelação que você faz de “si mesmo”, é sempre uma ilusão.
Você não sabe quem você é, mas apenas sabe qual deve ser a sua imagem, a sua máscara.
Nesse caso, sua mais ardente e compulsiva tarefa na existência consiste em preservar seu esconderijo. E, sem dúvida, devemos admitir que muita gente desenvolveu tal capacidade de transformismo com a mesma habilidade dos polvos miméticos.
Sendo assim, diz Kierkegaard, “você é tão mais bem sucedido, quanto mais enigmática for a sua máscara”.
Quando a existência se transforma “nisto”, eu e você viramos de fato nada além de NADA.
Ou seja, passamos a ser apenas uma “relação com os outros”; e o que nos tornamos é unicamente em razão e em “virtude dessa relação”.
A moral é a grande máscara. E os moralistas são o que detém o maior número de disfarces. Entre esses, o mais danoso de todos é o estelionatário da religião, o picareta que come as almas dos homens.
Lobos mascarados de ovelhas! A maioria existe assim. Daí, para muitos, catástrofes que lhes roubem as “máscaras” os deixam em estado de desespero, visto que sem a máscara eles não possuem um rosto próprio, algo que a própria pessoa reconheça para si e como sua, e não apenas como um reflexo da imagem que os outros devolvem para você mesmo, supostamente acerca de quem você aparenta ser para eles.
Desse modo, você vende imagem, e se alimenta dela. Mas no dia em que as máscaras são tiradas, muitos não conseguem mais viver, pois neles não há uma vida própria, mas apenas uma existência fabricada para consumo no Baile de Fantasias, que é a existência da maioria.
”Você não sabe que vem a hora chamada “meia noite” na qual todos terão que lançar fora suas máscaras? Você crê realmente que a vida se deixará zombar para sempre? Ou talvez você pense que pode escapar um pouco antes da “meia noite” e fugir de tal hora? Ou será que você fica apavorado com essa idéia?”—pergunta o profeta.
Você consegue pensar em algo mais apavorante do que ter que viver tal “meia noite” em sua existência na Terra ou em qualquer outro lugar onde isto possa lhe acontecer?
Quem vive nesse Baile de Fantasias não tem idéia do que faz de mal à sua própria alma.
Não existe droga mais viciante do que a força compulsiva da “máscara”.
Aquele que se faz um com a mascara, faz-se um com o Nada, pois sua natureza vai se dissolvendo numa multiplicidade...e que acaba fazendo com que esse ser realmente se torne muitos.
Você pode se tornar semelhante àquele pobre Gadareno, ocupado por “infelizes demônios”; numa legião de falsas identidades, que não são suas identidades, e muito menos correspondem a você!
Os demônios habitam sob máscaras.
Por isto mascarados lhes são tão desejáveis residências.
Pobre do auto-enganado que pensa que as máscaras o salvarão!
Tire de sua cara a máscara. Do contrário, você poderá vir a perder a coisa mais sagrada e preciosa de um homem - o poder unificador da personalidade, e a capacidade abençoada de se tornar alguém que seja realmente você.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Sê para a Ação


Sem o teu colo de mãe postiça teria hibernado na menina-perdida-de-si que dilacerava. Você então pôde calçar (m)eus sapatos e eu pude amar(r)á-los. Fiz um laço bonito e ele era vermelho, da cor da vida misteriosa e pungente em mim. Fiquei linda vestida de vida! Escovou os meus cabelos loiros cacheados com paciência e me disse que eu poderia usar fita. E eu busquei todas as cores. Elas estavam guardadas naquele baú velho.

Com meus próprios passos saí andando em busca do meu manancial, e ele tinha preço. Puerilmente pude atravessar o caminho, as traves, e encontrar minhas linhas entremeio a tanto tecido. Foram dias de chuvas e trovoadas. Sabe as agulhas e tesouras...? O aço atrai raios. Deu medo! Mas minhas pernas trêmulas ainda podiam me conduzir e minhas mãos davam formas aos estopos. Lentamente e com cuidado pude escolher cada trama. A cada ponto furei-me a pele. Mas era eu comigo. Cresci! Pude ouvir a criatura muda e os fantasmas que ela trazia. Não teve um dia em que Ela não estivesse lá, até mesmo onde parec(e)ia não estar. Quantos foram Eles os meus fantasmas? No centro, junto aos emaranhados, eu estava lá... desatando nós, cosendo a pele. Pude costurar o que havia remendo e atear fogo nos panos velhos. Me vesti de mulher e do meu Desejo. Pinchei os trapos. Desobriguei-me da simbiose caótica e busquei a mim, tão imperfeita e digna de amor. Prescindi do amor que nunca tive e que temia perder. Deixei-o para si e agradeci pelo que não recebi. Do desamor eu compreendi facilmente, já o amor para sempre me parecerá uma esfinge. Lembrei do encontro comigo, quando estive à beira do abismo e pude me aproximar do nada. Tudo era asfalto e cinza como os sepulcros; gélido e sem sentido. Tudo era mortífero e eu latejava como uma borboleta que caída no chão, buscava forças para bater as asas feridas. Escolhi  então a incansável busca do segredo, mesmo para sempre ele estivesse perdido. Quero estar sempre diante do mistério da vida e do mistério do amor, apesar de toda transitoriedade. Como as ondas do mar que em vão buscam contornar a areia, escolhi sentir, mesmo sabendo que nunca darei conta de tudo e que nem sempre as coisas farão sentido. Me devolvi às letras... Os versos me organizaram, ouvi meus ecos sedentos e minha mudança de posição me deu movimento. Quem eu sou será uma constante, quem eu serei, nunca saberei, mas quero estar comigo. E que o outro seja bem vindo posto que nem que eu tenha todos os sentimentos do planeta, poderei amar sozinha. E, mesmo que haja intencionalidade, que sejam bem vindos os desinteressados. Me absolvo das amarras, dos castigos, das idolatrias. No meu baú guardo as re-edições da minha história, guardo as saudades que não pesam, guardo a gratidão de ter vivido. Sigo Atravessando tentando não ser trave, pois a  Travessia é o que sou...

quarta-feira, 6 de junho de 2012

SOB O CÉU DE UM DOMINGO CINZENTO





O céu pintado de cinza, estranho para uma tarde de domingo que só combina com o Sol feito laranjão, alumiando tudo. Melhor parar de espiar pra cima, inquirindo o céu e sua indecisão de se fazer chuva ou quentura... Talvez os céus tenham um signo no zoodíaco e o teto celeste sobre a minha cabeça deve bem ser libriano.

Rodolfo disse agorinha que o “se” não combina comigo. Falou pra eu exterminá-lo do meu vocabulário. Amigos vêm mesmo com essa função no seu “vide bula”? Sim. Amigos têm o dom de nos fazerem lindas e fortes quando menos pensamos que o somos. Têm olhos lindos e generosos os verdadeiros amigos. E compreendem. E acolhem. E mesmo por efêmeros instantes, tudo parece possível.

Conversávamos sobre o meu “assoprar de brasas” acerca do retorno aos estudos. Deixei pra trás sem tanto remorso, é verdade. Mas também é verdade que nunca adormeceu de vez o desejo de voltar. Então ressurgem os monstros, os inventados por mim, cultivados além da minha vontade... Bem vivos. Contei sobre quando bem lá atrás, nas manhãs de domingo, eu chegava à missa das crianças munida de muletinhas de madeira, entrava sempre pela porta lateral. As bichinhas faziam uma zoada da gota no assoalho, então no primeiro “toc” da minha ilustre entrada, o povo todo virava o zóio pra mim... Nessa hora eu só queria ser uma galeguinha invisível feito os super-heróis dos desenhos animados, como não era possível, morrer era o desejo seguinte. E iria pro céu, né não? Afinal, morrer na igreja haveria de ter alguma serventia.

A Cida me ligou enlouqueCIDA (trocadilho infame, eu sei) pra eu ler o comentário dela na outra postagem e retirá-lo caso tivesse sido rude acerca do que falou sobre faculdade à distância. Não retirei. Não foi rude, apenas expôs o seu ponto de vista  sobre um tema que ainda é motivo de muito preconceito. Não foi o caso da Camila, obviamente, essa visão preconceituosa. Compreendi sua fala a respeito do dia-a-dia que só uma faculdade presencial pode proporcionar. A questão fundamental pra mim, não só neste caso, mas em tudo nessa maluquice de vida, é observar os pontos de vista, as situações, sob várias possibilidades. Certa vez, estavam aqui em casa a Cida e a Cleide, sua irmã, num papo-incentivo sobre a minha retomada a um curso universitário. Eu, dotada de uma sutileza descomunal, falei: “é, vou fazer uma dessas  faculdades que não servem pra nada, à distância”... Na sala estava também uma tia em comum, que prontamente falou, enquanto me lançava uma chicotada no olhar: “elas estão cursando uma dessas, Milene”... Os preconceitos são assim, às vezes generosos, surgem do nada pra que tenhamos a possibilidade de afogá-los ou trancafiá-los em inviolável masmorra. Os meus, se desavisados aparecem, não fujo ao embate.

Se eu não conhecesse outras pessoas formadas pela tão falada faculdade lá de longe, só em saber da incrível profissional que é essa minha prima, já seria motivo suficiente pra eu devotar-lhe toda confiança. Esses dias outra amiga estava à beira de um surto por conta de tanto trabalho a ser feito no seu curso de Administração à distância. A conclusão (de vez em quando consigo alcançar uma) é de que quando há dedicação e vontade, sejamos Cida, Camila ou Neusa (esse amiga semi-surtada), amemos as letras, baratas bonitas ou gestão administrativa, bacaninha mesmo é assoprar a brasa, engolir o saber com voracidade assombrosa, seja lá como ele se apresente.

Filosofia de quinta, quem disse? A minha é de domingo.

Há um céu libriano esperando por mim. Vou ali, encará-lo. Talvez ele me chova ou apenas me sopre vento... O que mais esperar de um domingo cinzento?


Receita de Família

Francisco Azevedo.




"Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema...Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir...Mas a vida... sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente...Já estão aí? Todos? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.

 Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa. Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto: é um verdadeiro desastre.

 Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada. O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família à Rossini, Família à Belle Meunière; Família ao Molho Pardo (em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria). Família é afinidade, é à Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.

Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.

Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.

Aproveite ao máximo.

Resposta ao Tempo

Nana Caymmi




Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Pra ter argumento
Mas fico sem jeito
Calado, ele ri
Ele zomba
Do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei
Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há folhas no meu coração
É o tempo
Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei
E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos
Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto
E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviver
No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer