Silvana Paredes
O que antes eram flores indica que se faz tempo de colheita. Enquanto
apanho enormes e belos maracujás amarelos, eu epifanizo. O Senhor Tempo
me mostra que todo tempo é tempo de colheita. Cinco segundos e todo o
filme de minha vida. Sempre fiz o papel de colhedora. Colho e acolho
frutos até das sementes que não plantei. As sementes, por mim, plantadas
me dão frutos esperados. Sejam bons ou ruins. Quase não há surpresas.
Das sementes que não plantei é que me vêm os melhores frutos e as
maiores surpresas. Sejam boas ou ruins, devo dizer. Ter o melhor fruto
em mãos não significa dizer gosto adocicado na boca. Há frutos que são
desejados exatamente por ter um sabor mais exótico, digamos assim.
Aquelas flores das ramas de maracujá das quais falei outro dia e que,
agora, me ligam a casa de minha vizinha se transformaram nos mais belos e
cheirosos frutos de maracujá que já vi. No entanto, eles continuam
deixando gosto amargo em minha boca. Continuo não gostando de maracujá.
Mesmo assim, provo desse doce veneno. Mas, começo a trabalhar o meu
paladar e estômago para o sabor do que chamo, então, meus maracujás. Há
que se enfrentar o novo, o diferente, o estranho, o bom e o ruim. É
assim que a vida se faz. Os tais maracujás enfeitam o meu quintal e
tornaram-se minha escolha. Entraram sem bater. Sem querer, deixei-os
ficar. Minha natureza acolhe frutos. Arco com as consequências. O meu
quintal está repleto, também, de folhas secas de maracujá. Mosquitos são
atraídos pelo aroma do maracujá. Isso me incomoda. Deixo passar. Há
quem seja fascinado por maracujás em minha casa. Por isso, eu os colho
com prazer e preparo as sobremesas mais saborosas e os sucos mais
refrescantes com eles. Imagino eu. Porque não como, nem tomo (ainda)
nada que leve maracujá. O prazer de dar alegria a quem amo é que move
minh’alma. Sorrisos me chegam quando preparo qualquer coisa com
maracujás em minha casa. Igualmente, sorrisos me chegam quando
compartilho de meus maracujás com amigos e familiares. Um sorriso aqui
outro ali, pessoas mais felizes, um mundo mais feliz - nem que seja até o
sabor do maracujá fugir das bocas que os provam. Estou assim colhedora e
acolhedora desde que me fiz entender gente. Colher e acolher frutos foi
o que sempre fiz. Isso não é uma atividade restrita ao meu quintal. Do
lado de fora da minha casa, continuo colhendo frutos. Frutos belos, de
cheiro que aguça meus sentidos, de sabor que me agrada o paladar e que
me dão as maiores alegrias de minha vida. Contudo, não vou mentir. “Não
sou perfeito”, disse o poeta. Eu também não. Às vezes, eu erro a mão,
outras os frutos decidem por si só o que fazer. Assim, o doce se torna
amargo. Me assusta o resultado. Eu vivo tanto que me assusto por muitas e
muitas vezes. Insisto em viver assim mesmo. Se é questão de escolha
própria ou se fui levada a fazer certas escolhas, não importa. No final,
a decisão sempre foi minha. Faço o que quero. Sou imensamente feliz por
colher frutos de sementes que plantei. Sou imensamente feliz por colher
frutos de sementes que foram plantadas em meu quintal. Assim como sou,
também, imensamente feliz por colher frutos de sementes que não foram
plantadas em meu ventre. No final das contas, a vida faz de mim a mãe
sem filhos mais feliz de todos os tempos.
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