segunda-feira, 30 de abril de 2012

A esperança...

Sirlei L Passalongo


A esperança é dona das horas...
Por vezes, uma menina
Noutras, uma senhora
Não se cansa

Joga pedrinhas em poças d’água
Não envelhece
Costura com sonhos em almas rasgadas
E segue assim como quem dança,

Um balé desafinado,
E mesmo quando tropeça
Levanta-se e ri feito criança...
Afinal a vida é esse balé
Onde não se ensaia nada....

Sirlei L Passalongo

sábado, 28 de abril de 2012

Oração ao tempo

 
Caetano Veloso

És um senhor tão bonito                            De modo que o meu espírito

Quanto a cara do meu filho
                       Ganhe um brilho definido

Tempo tempo tempo tempo
                       Tempo tempo tempo tempo

Vou te fazer um pedido
                              E eu espalhe benefícios

Tempo tempo tempo tempo...                    Tempo tempo tempo tempo...
Compositor de destinos                              O que usaremos pra isso


Tambor de todos os rítmos
                         Fica guardado em sigilo  
Tempo tempo tempo tempo
                       Tempo tempo tempo tempo

Entro num acordo contigo                          Apenas contigo e comigo


Tempo tempo tempo tempo...                    Tempo tempo tempo tempo...
Por seres tão inventivo
                               E quando eu tiver saído
E pareceres contínuo                                  Para fora do teu círculo


Tempo tempo tempo tempo
                       Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
                  Não serei nem terás sido

Tempo tempo tempo tempo...                    Tempo tempo tempo tempo...
Que sejas ainda mais vivo
                        Ainda assim acredito

No som do meu estribilho
                         Ser possível reunirmo-nos

Tempo tempo tempo tempo
                      Tempo tempo tempo tempo

Ouve bem o que te digo
                            Num outro nível de vínculo

Tempo tempo tempo tempo...                   Tempo tempo tempo tempo...
Peço-te o prazer legítimo
                           Portanto peço-te aquilo

E o movimento preciso
                              E te ofereço elogios

Tempo tempo tempo tempo
                      Tempo tempo tempo tempo

Quando o tempo for propício
                    Nas rimas do meu estilo

Tempo tempo tempo tempo...                   Tempo tempo tempo tempo...

(Caetano Veloso)

Nós Dois.

Celso Adofo

E nós que nem sabemos quanto nos queremos
Que nem sabemos tudo que queremos
Como é difícil o desejo de amar

Você que nunca soube quanto eu quis
Que não me coube, não me viu raiz
Nascendo, crescendo nos terrenos seus

Eu na janela, olhando a lua
Perguntando à lua: onde você foi amar?

E nós que nem soubemos nos querer de vez
Estamos sós, laçados em dois nós
Um que é meu beijo e outro é o lábio seu

Não sei sair cantando sem contar você
Que eu sei cantar mas conto com você
Que eu vou seguir mas vou seguir você

Queria que assim sabendo se a gente se quer
Queria me rimar no seu colo mulher
Vencer a vida de onde ela vier

Ganhar seu chegar no chegar meu
Dar de mim o homem que é seu.

Manhã de Carnaval.

 Luiz Bonfá,

Manhã, tão bonita manhã
Na vida, uma nova canção
Cantando só teus olhos
Teu riso, tuas mãos
Pois há de haver um dia
Em que virás

Das cordas do meu violão
Que só teu amor procurou
Vem uma voz
Falar dos beijos perdidos
Nos lábios teus

Canta o meu coração
Alegria voltou
Tão feliz a manhã
Deste amor

Chuvas de Cajus.

Alceu Valença


Ela virá no verão
Com as chuvas de cajus
Os flamboyants estão sangrando
Nessas tardes tão azuis

Pastores da noite
Meu São Jorge amado
Livrai-me do ódio
Dos apaixonados
Pastores da noite
Meu São Jorge amado
Livrai-me do ódio
Dos abandonados

Frutos de maracujá

Silvana Paredes


O que antes eram flores indica que se faz tempo de colheita. Enquanto apanho enormes e belos maracujás amarelos, eu epifanizo. O Senhor Tempo me mostra que todo tempo é tempo de colheita. Cinco segundos e todo o filme de minha vida. Sempre fiz o papel de colhedora. Colho e acolho frutos até das sementes que não plantei. As sementes, por mim, plantadas me dão frutos esperados. Sejam bons ou ruins. Quase não há surpresas. Das sementes que não plantei é que me vêm os melhores frutos e as maiores surpresas. Sejam boas ou ruins, devo dizer. Ter o melhor fruto em mãos não significa dizer gosto adocicado na boca. Há frutos que são desejados exatamente por ter um sabor mais exótico, digamos assim. Aquelas flores das ramas de maracujá das quais falei outro dia e que, agora, me ligam a casa de minha vizinha se transformaram nos mais belos e cheirosos frutos de maracujá que já vi. No entanto, eles continuam deixando gosto amargo em minha boca. Continuo não gostando de maracujá. Mesmo assim, provo desse doce veneno. Mas, começo a trabalhar o meu paladar e estômago para o sabor do que chamo, então, meus maracujás. Há que se enfrentar o novo, o diferente, o estranho, o bom e o ruim. É assim que a vida se faz. Os tais maracujás enfeitam o meu quintal e tornaram-se minha escolha. Entraram sem bater. Sem querer, deixei-os ficar. Minha natureza acolhe frutos. Arco com as consequências. O meu quintal está repleto, também, de folhas secas de maracujá. Mosquitos são atraídos pelo aroma do maracujá. Isso me incomoda. Deixo passar. Há quem seja fascinado por maracujás em minha casa. Por isso, eu os colho com prazer e preparo as sobremesas mais saborosas e os sucos mais refrescantes com eles. Imagino eu. Porque não como, nem tomo (ainda) nada que leve maracujá. O prazer de dar alegria a quem amo é que move minh’alma. Sorrisos me chegam quando preparo qualquer coisa com maracujás em minha casa. Igualmente, sorrisos me chegam quando compartilho de meus maracujás com amigos e familiares. Um sorriso aqui outro ali, pessoas mais felizes, um mundo mais feliz - nem que seja até o sabor do maracujá fugir das bocas que os provam. Estou assim colhedora e acolhedora desde que me fiz entender gente. Colher e acolher frutos foi o que sempre fiz. Isso não é uma atividade restrita ao meu quintal. Do lado de fora da minha casa, continuo colhendo frutos. Frutos belos, de cheiro que aguça meus sentidos, de sabor que me agrada o paladar e que me dão as maiores alegrias de minha vida. Contudo, não vou mentir. “Não sou perfeito”, disse o poeta. Eu também não. Às vezes, eu erro a mão, outras os frutos decidem por si só o que fazer. Assim, o doce se torna amargo. Me assusta o resultado. Eu vivo tanto que me assusto por muitas e muitas vezes. Insisto em viver assim mesmo. Se é questão de escolha própria ou se fui levada a fazer certas escolhas, não importa. No final, a decisão sempre foi minha. Faço o que quero. Sou imensamente feliz por colher frutos de sementes que plantei. Sou imensamente feliz por colher frutos de sementes que foram plantadas em meu quintal. Assim como sou, também, imensamente feliz por colher frutos de sementes que não foram plantadas em meu ventre. No final das contas, a vida faz de mim a mãe sem filhos mais feliz de todos os tempos. 


INTELIGENTE



Gente, não sei onde isso vai parar. Está havendo uma invasão de inteligências no nosso querido Brasil. Agora, tudo é inteligente. Hoje, qualquer cidadezinha do País já tem semáforo inteligente. Pode, um semáforo ser inteligente? Por que que ele é inteligente? Eu fico olhando para o jeitão dele e fico com cara de burro, pois apesar de inteligente, ele ainda não fala. Mas um dia vai falar: ô, fulaninho, olha a faixa, meu! E você vai ficar que nem bobo, olhando em volta.
E os prédios inteligentes? Já havia a porta inteligente. Você vai chegando e ela se abre toda, na hora certa. Inteligentíssima. Agora criaram o prédio inteligente. Pra começar, não tem janela. O ar-condicionado também é inteligente. Como tem catracas (que palavra!) nos prédios inteligentes!
Centenas! Para se chegar ao décimo andar tem que rebolar pelas catracas inteligentes. Ela sabe que você já passou pela mocinha (nada inteligente) lá embaixo. E é claro que no prédio inteligente não se pode fumar. Nem nas curvas das escadas. Ele é inteligente e dedo-duro. Logo chega um segurança (nada inteligente).
Fiquei pensando nessa bobagera toda ao ver no aeroporto de São Paulo um negócio chamado anúncio inteligente. Fiquei lá, parado, olhando para ele, tentando sacar qual era a inteligência dele. O formato, meio anatômico? Não descobri, não sou inteligente. Fugiu da minha capacitância.
O brasileiro adora essas coisas. Essas inteligências. Daqui para a frente, preste atenção, tudo vai ser inteligente neste País.
Eu me contentaria com uma privada inteligente. Assim que você começar a tirar a calça a tampa já se levanta. Sozinha. E começa a tocar Help, dos Beatles. Lá sentado, você não precisa fazer nenhum esforço. A privada inteligente suga, é claro. Depois te limpa, te lava. E um reloginho vai marcar a hora da próxima visita ao trono.
E o carro inteligente? Tenho um. A primeira revisão seria aos 15 mil quilômetros. Mas desde os 10 mil, toda vez que eu dava partida, ele me avisava: Faltam 5 mil quilômetros para a revisão. Ou seja, o carro ficou me aporrinhando com a inteligência dele 5 mil quilômetros.
E tem mais: já passei dos 15, não fiz ainda a revisão. Agora ele fica dizendo quantos quilômetros eu já passei da meta estabelecida por ele. Eu falo: já sei, cara! Ele não se toca. Apita no meu ouvido. Fora que eu tenho que explicar para o sujeito que está comigo que porra é aquela que está acontecendo. Aquela apitação. Na revisão, vou mandar cortar as amídalas dele, as cordas vocais e mandar o apito para a minha querida Ruth Escobar.
Eu só não entendo por que não se faz a polícia inteligente, o cartola inteligente, o deputado inteligente e até mesmo o corno inteligente. E, por falar em corno, outro dia eu ouvi um cara dizer no rádio: não basta ser corno, tem que participar.
Mas voltemos aos inteligentes.
Temos que inventar os vícios inteligentes. A bebida alcoólica inteligente.
Que não dê ressaca, por exemplo. O cigarro inteligente, que não dê câncer. E vamos parar por aqui, antes que eu invente uma doença inteligente.
Tudo o que eu queria mesmo, era morar num país inteligente. Não com pequenas coisas inteligentes. Mas com um todo inteligente.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Desencanto

Leve então
O resto desta ilusão
E todos os cuidados meus
Brinquedos dos caprichos
É pena porque foi tão lindo amar
Sentir você sonhar tão junto a mim,
Ouvir tanta promessa,
Fazer tanta esperança,
Pra hoje ver lembrança, tudo enfim
Nâo passou
De um triste desencanto, amor,
E desde então eu canto a dor
Que eu não soube chorar

terça-feira, 24 de abril de 2012

AINDA ERA CARNAVAL


Nydia Bonetti

me convidaram ontem
pro bloco dos felizes

não pude ir

não consegui achar
a minha velha fantasia

Tempo Fechado

Do Blog  Pitanga Doce

"Há uma nuvem que ameaça
Desfazer-se em aguaceiros
Nestes meus olhos de garça"

sábado, 21 de abril de 2012

CAÇADOR DE ALMAS


Hoje ao levantar-me
Olhei minha imagem refletida no espelho
E vi além das imperfeições possíveis
De alguns teimosos fios brancos que aparecem aqui e ali
E reparei que a pele já não é aquela dos 18 anos
O tempo encarrega-se de levar a juventude
Mas traz tanta coisa boa em troca
Percebo que troquei aquele putz-putz de outrora
Por um bom bate papo regado a vinho e frios
Um bom filme e uma pizza pra esticar a noite
Uma música para enlevar o espírito
Um olhar mudo porém tão ruidoso e cheio de significados
Bom não ser um enigma
Mas isto é uma grande utopia, um engodo da vida
Porque sempre seremos uma caixa de Pandora
Sempre teremos véus a retirar
Mesmo que tenhamos nascido aqui
Ou em Tel-Aviv
Amores serão sempre iguais
Com começos dignos de conto de fadas
E fins dramáticos como um filme de Almodóvar
Meus mistérios, minhas reticências
E aquilo que ainda não foi revelado
Porque é assim e sempre será
Não serei o mesmo amanhã
Nem você, ainda bem
Graças a Deus
Nunca serei aquilo que outro manifesta em seus sonhos
Serei imperfeito, e ao cair, cairei tentando acertar sempre
Me agradam as imperfeições, assim lembro do que é humano em mim e no outro
Às vezes esqueço de mim momentaneamente
E me acho dias após
Na lágrima de uma criança porque o balão escapou de suas mãos
Na gota de chuva que insiste em deixar a vidraça de casa embaçada
Na triste melodia que toca no rádio tocando a alma da minha vizinha solitária
No abraço cheio de afeto dos namorados debaixo daquela marquise suja
Nem sempre os cenários são os melhores
Nem sempre se acha aquela alma perdida em alguma esquina da existência
Mas eu ainda sorrio
Sorrio
Sorrio

quarta-feira, 11 de abril de 2012

AMOR



"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor."
retirado da Biblia, primeira Epístola de S.Paulo aos Corintios, Capitulo 13

Navegar

(Fernando Pessoa)

Navega, descobre tesouros,
mas não os tires do fundo do mar,
o lugar deles é lá.

Admira a Lua,
sonha com ela,
mas não queiras trazê-la para Terra.

Goza a luz do Sol,
deixa-te acariciar por ele.
O calor é para todos.

Sonha com as estrelas,
apenas sonha,
elas só podem brilhar no céu.

Não tentes deter o vento,
ele precisa correr por toda a parte,
ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.

As lágrimas?
Não as seques,
elas precisam correr na minha, na tua, em todas as faces.

O sorriso!
Esse deves segurar,
não o deixes ir embora, agarra-o!

Quem amas?
Guarda dentro de um porta jóias, tranca, perde a chave!
Quem amas é a maior jóia que possuis, a mais valiosa.

Não importa se a estação do ano muda,
se o século vira, conserva a vontade de viver,
não se chega a parte alguma sem ela.

Abre todas as janelas que encontrares e as portas também.
Persegue o sonho, mas não o deixes viver sozinho.
Alimenta a tua alma com amor, cura as tuas feridas com carinho.

Descobre-te todos os dias,
deixa-te levar pelas tuas vontades,
mas não enlouqueças por elas.

Procura!
Procura sempre o fim de uma história,
seja ela qual for.

Dá um sorriso àqueles que esqueceram como se faz isso.
Olha para o lado, há alguém que precisa de ti.
Abastece o teu coração de fé, não a percas nunca.

Mergulha de cabeça nos teus desejos e satisfá-los.
Agoniza de dor por um amigo,
só sairás dessa agonia se conseguires tirá-lo também.

Procura os teus caminhos, mas não magoes ninguém nessa procura.
Arrepende-te, volta atrás,
pede perdão!

Não te acostumes com o que não te faz feliz,
revolta-te quando julgares necessário.
Enche o teu coração de esperança, mas não deixes que ele se afogue nela.

Se achares que precisas de voltar atrás, volta!
Se perceberes que precisas seguir, segue!

Se estiver tudo errado, começa novamente.
Se estiver tudo certo, continua.

Se sentires saudades, mata-as.
Se perderes um amor, não te percas!
Se o achares, segura-o!

Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.
"O mais é nada".

terça-feira, 10 de abril de 2012

Recomeça."

 Miguel Torga


Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…"

Miguel Torga

segunda-feira, 9 de abril de 2012

E quem não gosta de um bom livro?



Livros

Caetano Veloso

Composição: Caetano Veloso
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas

Desejo a você :

Carlos Drummond de Andrade

Fruto do mato
cheiro de jardim
namoro no portão
domingo sem chuva
segunda sem mau humor
sábado com seu amor


Frango caipira em pensão do interior
ouvir uma palavra amável
ter uma surpresa agradável
ver a banda passar
noite de lua cheia
rever uma velha amizade
ter fé em Deus...
Não ter que ouvir a palavra não , nem nunca , nem jamais , nem adeus.
Rir como criança
ouvir canto de passarinho!

ATRÁS DA PORTA

  Marilene


                          Talvez eu lhe ofereça

                          Paz e amor
                          Talvez lhe faça ver
                          Que a vida é dor
                          Talvez  lhe entregue
                          Sonhos e sorrisos
                          Talvez lhe mostre
                          Tão somente, abismos
                          Talvez lhe faça ver
                          O arco-íris
                          Talvez lhe tire a luz
                          Com a solidão


                          Talvez o acorde sempre
                          Com beijos e loucura
                          Talvez esconda de você
                          Toda a ternura do meu ser
                          Talvez o cubra, a cada noite,
                          Com lençóis de cetim
                          E talvez o impeça
                          De se aproximar de mim


                          Talvez lhe ensine
                          O que é felicidade
                          Talvez lhe mostre
                          Que pode haver maldade
                          Dentro de mim
                          Talvez retire de seu íntimo
                          A saudade
                          Talvez , com  isso,
                          Lhe tire a liberdade


                          Talvez! Talvez!


                          Só vai poder saber
                          Se resolver entrar


                                                                 (Marilene)

Poesia






Vejo-te sorridente, rosada
de olhar vivo e sonhador
no calor suave da manhã.

Cheiro a tua liberdade
nos campos coloridos e em flor.
Vens alegre, saltitante,
perfumada de mil odores.

Toco-te na solidão da noite,
nostálgica, fria, pungente,
com dores vivas tatuadas na pele.

Ouço-te nas fontes, nos rios, no mar
em cada gota de chuva
até em cada lágrima nua.

Tens sabor a canela, a limão,
a chocolate, a açafrão.
Ora amarga, ora doce
mas conferindo sempre paladar
ao meu sentir, ao meu existir ,
ao meu sonhar.


Além da Terra, além do Céu.

  Carlos Drummond de Andrade

                         


Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

terça-feira, 3 de abril de 2012

a cidade é outra


arte/ rafael godoy

Visto de cinza a cidade,
as ruas têm prédios demais
e eles não se cansam de criar outros a cada dia.
As britadeiras rodam na minha cabeça
 escondem as sirenes e buzinas
os gritos dos gatos o canto dos bêbados
as construções apagam a lua  espantam o vento
 silenciam os poetas
as montanhas são dilaceradas dinamite e cimento
a cidade que era minha
vai embora de mim
espalha pó nos cabelos embaça meus olhos
e deixa um gosto estranho na saliva.
A cidade é outra
eu sou outra
mas ainda posso ver através de uma fumaça 
um sol pálido
que começa a nascer