Escrevo para saberem como se pode ajudar alguém nos ajuda a sermos pessoas melhores.
Escrevo para perguntar onde está a dignidade humana, onde estão os valores morais da nossa sociedade?Escrevo porque me sinto revoltado e desiludido… com o mundo, com a vida e com as pessoas, que conseguem ser surpreendentemente frias e cegas.
Numa manhã, enquanto tomava o pequeno-almoço num café, tristemente, apercebi-me que neste mundo, que se diz solitário, reina ainda a hipocrisia e o egocentrismo. Já não sei que horas eram, já não sei se foi hoje ou ontem, ou outro dia qualquer, já não sei o nome do café. Não, desculpem, não vos posso mentir. Sei muito bem as horas que eram, sei o dia em que foi e sei o nome do café, mas não é isso que importa. Antes pelo contrário, esses pormenores são insignificantes perante tudo o que aconteceu. Não houve nenhuma tragédia, nenhuma catástrofe natural, nem nenhuma morte. Houve, apenas, uma injustiça, uma profunda falta de humanidade e um olhar triste num rosto de um homem.
Sentado junto à montra, esperava que me trouxessem o pequeno-almoço e olhava para o infinito e desejava partir com ele para algum lugar longe, longe de tudo, longe de mim. Embora estivesse tão presente naquele local, a minha mente estava longe... À medida que estes e outros pensamentos me assaltavam a mente, entrou um homem alto, de cabelo branco e olhos claros. O casaco castanho evidenciava o passar dos anos, os óculos finos no rosto faziam-no mais magro, mais velho ainda, e as palavras, proferidas a medo, demonstravam óbvios problemas de expressão. Junto à montra daquele café, estavam dez ou onze pessoas, incluindo eu. Avançando por entre as mesas e por entre as cabeças baixas dos que, serenamente permaneciam incólumes no seu mundo, o homem foi pedindo dinheiro para comer alguma coisa mesmo ali. Mas, sempre que se aproximou de uma mesa, ninguém levantou o olhar e o enfrentou de frente. Cobardes, ninguém foi capaz de ver um retrato do mundo real. Hipócritas, preferiram ignorá-lo a dar-lhe algum tipo de resposta. Desumanos, mantiveram-se intocáveis nas suas redomas de vidro, julgando-se felizes talvez, como diria Pessoa.
Por fim, veio ter comigo. Os seus olhos azuis eram bonitos, lembravam a maresia, mas, faltavam-lhe o brilho. E a essa ausência juntava-se-lhe, talvez, a desilusão e o cansaço. Paguei-lhe o pequeno-almoço. Ele sentou-se na minha mesa, enquanto as pessoas em redor olhavam com desprezo, como se estivéssemos a cometer algum tipo de crime. Veio o empregado, pegou-lhe no braço a tentar levanta-lo bruscamente. Eu levantei-me e disse: “O senhor está comigo!” Com um olhar doce mas magoado, como que habituado a situações destas, tocou-me na mão e disse: “Sorria… chega de tristeza, sorria”.
Olhei-o nos olhos e disse-lhe: “Não estou triste…”
Ele sorriu e replicou: “De tristeza percebo eu…”
Aquela pessoa, ignorada por todos, foi a única pessoa que reparou que eu estava ainda mais triste do que ela…
Pediu com uma voz em tom baixo e envergonhado um galão (bem quente) e bolo de arroz.
Retribuiu-me contando-me um pouco da sua vida, ainda curta, mas já dorida e envelhecida.
Fiquei a olhar para as pessoas que passavam, enquanto escrevia num pedaço de papel o nome de alguém…
Pouco depois, senti a sua mão na minha. Olhei para ele nos olhos e deixei cair uma lágrima…
Ele sorriu e disse: “Eu sei que essa lágrima não por causa da minha história… Não olhe tanto lá para fora… ela não vai passar…”
Fixei-o nos olhos e disse-lhe “Pois não…”
Apontando para o meu coração e para o papel disse: “Tem que olhar mais cá para dentro…é aqui que a paisagem é bonita… é aqui que ela está! Conheço esse olhar menino…”
Quando saiu, agradeceu-me pelo gesto que tive, e, de barriga e alma cheias, partiu com um brilho nos olhos, a olhar para trás e a apontar para o coração com um gesto de quem segura algo precioso…
Fiquei a vê-lo desaparecer ao longo da avenida.
Desconheço o seu nome… desconheço o seu rumo… desconheço o seu futuro. Mas sei que ele me deixou mais rico.
Ele ajudou-me muito mais do que eu a ele… muito mais.
Obrigado…
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