quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

DECEPÇÃO

Affonso Romano de Sant'Anna
Adelene Fletcher
Ando muito decepcionado com os homens
e comigo. Com minha geração, em especial.
Íamos salvar o mundo
e falhamos.
Alguns ainda tentam,
Não me iludem.
Sem dúvida, merecíamos melhor sorte.
Nós –-- os ilustres fracassados
--- e o povo
que nem se dá conta
que tínhamos projetos ótimos para redimi-lo.

Da Realidade


Ademir Antonio Bacca
Edvard Munch


Na partilha
das minhas mágoas
não apareceu viva alma
interessada. 

Ademir Antonio Bacca

Dá-me tua mão

Adalgisa Nery 
Johann Georg Meyer von Bremen


Dá-me tua mão

E eu te levarei aos campos musicados pela canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas entreabertas.
Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito amada. 

Adalgisa Nery 

Eu te amo

Adalgisa Nery 
Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a ideia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

Trem de Ferro

Manuel Bandeira
Tarsila do Amaral - Estrada de Ferro Central do Brasil


Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)

Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vaou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)

Não me peçam razões

José Saramago 
Edward Cucuel


Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há de vir. 

José Saramago (

UM SONHO BOM

Mário Lago
Pino Daeni


Fazer um céu, com pouco a gente faz
basta uma estrela
uma estrela e nada mais.
Pra ter nas mãos o mundo
basta uma ilusão
um grão de areia
é o mundo em nossa mão.
Sonhar é dar à vida nova cor
dar gosto bom às lágrimas de dor
o sol pode apagar, o mar perder a voz
mas nunca morre um sonho bom dentro de nós.

A vida


 José Saramago 

A vida podia ser apenas estar sentado na relva,
segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas,
por serem já sabidas as respostas,
ou por serem estas de tão pouca importância,
que descobri-las não valeria a vida de uma flor. 

José Saramago (1922-2010)

domingo, 24 de fevereiro de 2013

ESTAMOS PERDIDOS....

Eça de Queirós (1845-1900)
Ernest Biéler


Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos,
as consciências em debandada.
Os carácteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direção
a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente
na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua ação fiscal
como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: “o país está perdido!” 

Eça de Queirós (1845-1900)

De pássaro a pássaro.....

Pablo Neruda 
Marilyn Smith


De pássaro a pássaro caía
tudo o que o dia traz,
ia de flauta em flauta o dia,
ia vestido de verdura
com voos que abriam um túnel,
e por ali passava o vento
por onde as aves cortavam
o ar compacto e azul:
por ali entrava a noite.

No regresso de tantas viagens
fiquei suspenso e verde
entre o sol e a geografia:
vi como trabalham as asas,
como se transmite o perfume
por um telégrafo emplumado,
vi das alturas o caminho,
as fontes, as telhas,
os pescadores a pescar,
os cais da espuma,
tudo isto eu vi do meu céu verde.
Não tinha mais letras
que a viagem das andorinhas,
a água pura e diminuta
do pequeno pássaro ardendo
que baila saindo do pólen. 

É preciso amar o inútil.


Lygia Fagundes Telles,

Vicente Romero Redondo





 Criar pombos sem pensar em comê-los,
 plantar roseiras sem pensar em colher rosas,
 escrever sem pensar em publicar,
 fazer coisas assim,
sem esperar nada em troca.

A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos
que se encontram as melhores coisas.

A música ...
Este céu que nem promete chuva ...
Aquela estrelinha que está nascendo ali...
está vendo aquela estrelinha?
Há milênios não tem feito nada, não guiou os Reis Magos,
nem os pastores, nem os marinheiros perdidos...

Não faz nada.
Apenas brilha.
Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil.
Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a Beleza.

Lygia Fagundes Telles,

AS CORES DE ABRIL

Vinícius de Moraes 

As cores de abril
Os ares de anil

O mundo se abriu em flor

E pássaros mil

Nas flores de abril

Voando e fazendo amor.
O canto gentil
De quem bem te viu

Num pranto desolador

Não chora, me ouviu

Que as cores de abril

Não querem saber de dor.

Olha quanta beleza

Tudo é pura visão

E a natureza transforma a vida em canção.

Sou eu, o poeta, quem diz

Vai e canta, meu irmão

Ser feliz é viver morto de paixão. 

Vinícius de Moraes (1913-1980)

DESPOJAMENTO


Ivo Barroso
Victor Mikhailovich Vasnetsov



Eliminei o excesso de paisagem
simplifiquei toda a decoração
retirei quadro flores ornamentos
apaguei velas copos guardanapos
e a música.

Bani a inutilidade do discurso

Na mesa de madeira
nua
apenas dois pratos
brancos
sem talheres

O banquete será tua presença

Ivo Barroso

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O COMEÇO

Flora Figueiredo
Winslow Homer - Morning Glories


Quando o amor acenar, siga-o
ainda que por caminhos ásperos e íngremes.
Se eu pudesse congelar o tempo, escolheria este momento,
exatamente agora, nesta pouca hora de uma quarta-feira.
O gerânio novo enfeitando a prateleira,
o riso da criança brilhando lá fora.
O livro aberto no lugar certo, que simplesmente diz:
"Eu não tenho nada, mas rouxinóis gorgolejam
versos na calçada". É assim que
se começa a ser feliz. 

Flora Figueiredo

A GOTA D'ÁGUA

Yeda Prates Bernis
Cai da folha
a gota d’água. Lá longe,
o oceano aguarda. 

OS CINCO ELEMENTOS

Murilo Mendes 

Yoshiro Tachibana


Existem cinco elementos:
o ar,
a terra,
a água,
o fogo
e a pessoa amada. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Fui

Caio Fernando Abreu 



Caio Fernando Abr
Sir Lawrence Alma-Tadema


“Tô me afastando de tudo
que me atrasa,
me engana,
me segura
e me retém.
Fui ser feliz,
e não volto!” 

Caio Fernando Abreu 

Grão de Chão

Thiago de Mello
Benedito Calixto

Folha, mas viva na árvore,
fazendo parte do verde.
Não a folha solta,
bailando no vento
a canção da agonia.

Grão de areia, quase nada,
Inútil quando sozinho.
Mas que é terra,
a terra,
quando é grão
fazendo parte do chão,
esta coisa firme
por onde o homem caminha. 

O Dia Inacabado

Lêdo Ivo 
 
Photo Rarindra Prakarsa

Como todos os homens, sou inacabado.
Jamais termino de ser.
Após a noite breve um longo amanhecer
me detém no umbral do dia.
Perco o que ganho no sonho e no desejo
quando a mim mesmo me acrescento.
Toda vez que me somo, subtraio-me,
uma porção levada pelo vento.
Incompleto no dia inacabado,
livre de ser ainda como e quando,
sigo a marcha das plantas e das estrelas.
E o que me falta e sobra é o meu contentamento. 

Lêdo Ivo 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Os que Vinham da Dor

Sebastião da Gama
Anne Bachelier


Os que vinham da Dor tinham nos olhos
estampadas verdades crudelíssimas.
Tudo que era difícil era fácil
aos que vinham da Dor diretamente.

A flor só era bela na raiz,
o Mar só era belo nos naufrágios,
as mãos só eram belas se enrugadas,
aos olhos sabedores e vividos
dos que vinham da Dor diretamente.

Os que vinham da Dor diretamente
eram nobres de mais pra desprezar-vos,
Mar azul! mãos de lírio! lírios puros!
Mas nos seus olhos graves só cabiam
as verdades humanas crudelíssimas
que traziam da Dor diretamente. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

UMA TERRA ASIM, ASSIM !


Amanda Cass


“A Terra repleta de céu,
e cada arbusto comum incendiado com Deus,
mas só aquele que vê tira os sapatos;
os outros se sentam ao redor e colhem amoras”.

Elizabeth Barrett Browning (1806-1861)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Na cidadezinha


Alois Hans Schramm

As moças das cidades pequenas
com o seu sorriso e o estampado dos seus 
vestidos
são as próprias vida. 
Elas é que alvorotam a praça. Por elas
é que os sinos festivamente batem, aos domingos.
Por elas, e não para a missa!... Mas Deus não se 
.......................... importa...afinal,
só nessas cidadezinhas humildes
é que ainda o chamam de Deus Nosso Senhor...

Mario Quintana (1906-1994)

Moça branca



Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento. 

(Ferreira Gullar)

Canção do Violeiro


Castro Alves 

O Violeiro - Almeida Júnior


Passa, ó vento das campinas, 
Leva a canção do tropeiro.
Meu coração está deserto,
Está deserto o mundo inteiro.
Quem viu a minha senhora
Dona do meu coração?
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
Ela foi-se ao pôr da tarde
Como as gaivotas do rio.
Como os orvalhos que descem
Da noite num beijo frio,
O cauã canta bem triste,
Mais triste é meu coração.
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
E eu disse: a senhora volta
Com as flores da sapucaia.
Veio o tempo, trouxe as flores,
Foi o tempo, a flor desmaia.
Colhereira, que além voas,
Onde está meu coração?
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
Não quero mais esta vida,
Não quero mais esta terra.
Vou procurá-la bem longe,
Lá para as bandas da serra.
Ai! triste que eu sou escravo!
Que vale ter coração?
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão. 

Castro Alves (1847-1871)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

FALTANDO UM PEDAÇO

DJAVAN


O amor é um grande laço
Um passo pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculo
Pra alimentar a matilha
Comparo sua chegada
Como a fuga de uma ilha
Tanto engorda quanto mata
Feito desgosto de filha,
De filha

O amor é como um raio
Galopando em desafio
Abre fendas, cobre vales
Revolta as águas dos rios
Quem tentar seguir seu rastro
Se perderá no caminho
Na pureza de um limão
Ou na solidão do espinho

O amor e a agonia
Cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio
O cio vence o cansaço
E o coração de quem ama
Fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando
Que nem o meu nos seus braços

X® ((*..*))

Link: http://www.vagalume.com.br/djavan/faltando-um-pedaco.html#ixzz2Ke2GXTfY

EXPLICANDO A ÁGUA

Albano Martins
Eanger Irving Couse - Watching For Game



Levarás
pela mão
o menino
até ao rio. Dir-lhe-ás
que a água é cega
e surda. Muda,
não. Que o digam
os peixes, que em silêncio
com ela sustentam
seu diálogo
líquido, de líquidas
sílabas
de submersas
vogais. 

Albano Martins

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Orfandade




Adélia Prado


“Meu Deus,
me dê cinco anos.
Me dê um pé de fedegoso com formiga preta,
me dê um Natal e sua véspera,
o ressonar das pessoas no quartinho.
Me dê a negrinha Fia pra eu brincar,
me dê uma noite pra eu dormir com minha mãe.
Me dê minha mãe, alegria sã e medo remediável,
me dá a mão, me cura de ser grande.
Ó meu Deus, meu pai,
meu pai”.

A PINTORA

Adélia Prado
Waterhouse -The Orange Gatherer
Hoje de tarde
pus uma cadeira no sol pra chupar tangerinas
e comecei a chorar,
até me lembrar de que podia
falar sem mediação com o próprio Deus
daquela coisa vermelho-sangue, roxo-frio, cinza.
Me agarrei aos seus pés:
Vós sabeis, Vós sabeis,
só Vós sabeis, só Vós.
O bagaço da laranja, suas sementes
me olhavam da casca em concha
na mão seca.
Não queria palavras pra rezar,
bastava-me ser um quadro
bem na frente de Deus
pra Ele olhar. 

LIBERDADE


Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome
Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome
Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome
Nas selvas e no deserto
Nos ninhos e nas plantas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome
Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome
Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome
Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome
Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome
Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome
Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome
Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome
Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome
No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome
Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome
No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome
Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome
Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome
Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome
Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome
Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome
E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade
Paul Éluard (1895-1952)

Carnaval

Caetano Veloso
Richard Geiger

Você é meu caminho
Meu vinho, meu vício
Desde o início estava você

Meu bálsamo benígno
Meu signo, meu guru
Porto seguro onde eu voltei

Meu mar e minha mãe
Meu medo e meu champagne
Visão do espaço sideral

Onde o que eu sou se afoga
Meu fumo e minha ioga
Você é minha droga
Paixão e carnaval

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

atalhos...

Martha Medeiros


Quanto tempo a gente perde na vida? Se somarmos todos os minutos jogados fora, perdemos anos inteiros. Depois de nascer, a gente demora pra falar, demora pra caminhar, aí mais tarde demora pra entender certas coisas, demora pra dar o braço a torcer. Viramos adolescentes teimosos e dramáticos. Levamos um século para aceitar o fim de uma relação, e outro século para abrir a guarda para um novo amor, e já adultos demoramos para dizer a alguém o que sentimos, demoramos para perdoar um amigo, demoramos para tomar uma decisão. Até que um dia a gente faz aniversário. 37 anos. Ou 41. Talvez 48. Uma idade qualquer que esteja no meio do trajeto. E a gente descobre que o tempo não pode continuar sendo desperdiçado. 

Fazendo uma analogia com o futebol, é como se a gente estivesse com o jogo empatado no segundo tempo e ainda se desse ao luxo de atrasar a bola pro goleiro ou fazer tabelas desnecessárias. Que esbanjamento. Não falta muito pro jogo acabar. É preciso encontrar logo o caminho do gol. Sem muita frescura, sem muito desgaste, sem muito discurso. Tudo o que a gente quer, depois de uma certa idade, é ir direto ao assunto. Excetuando-se no sexo, onde a rapidez não é louvada, pra todo o resto é melhor atalhar. E isso a gente só alcança com alguma vivência e maturidade. Pessoas experientes já não cozinham em fogo brando, não esperam sentados, não ficam dando voltas e voltas, não necessitam percorrer todos os estágios. Queimam etapas. Não desperdiçam mais nada. 

Uma pessoa é sempre bruta com você? seja carinhosa com ela. O cara está enrolando muito? Beije-o primeiro. A resposta do emprego ainda não veio? Procure outro enquanto espera. 

Paciência só para o que importa de verdade. Paciência para ver a tarde cair. Paciência para sorver um cálice de vinho. Paciência para a música e para os livros. Paciência para escutar um amigo. Paciência para aquilo que vale nossa dedicação...