João Almeida
A última enxadinha do meu pai ainda existe. Capinei com ela , Maria também, até que o meu irmão resolveu transforma-la em peça de recordação, aliás atitude muito justa, assim ela foi pendurada num canto da sua casa do sítio. Quando decidi retornar às minhas origens, não pensei que iria remexer tanto com a terra, pois é a tarefa que me da mais prazer, então sigo horas capinando, chegando terra, fazendo “bunda suja”, cavando, plantando e colhendo, assim conheço todo tipo de mato, não gosto da expressão “erva daninha” tenho um certo respeito por elas, os meus olhos de “biólogo rude” enxergam mais além, mas não tem jeito, tenho que retira-las para abrir espaço para as plantações e depois mante-las fora da área por uma questão de reserva dos nutrientes que os meus pés de aipim e cia. precisam para desenvolver-se. O que o “biólogo rude” enxerga mais além são certos detalhes dos matos que nascem sem ninguém plantar e com uma rapidez extraordinária. A “Balaio de Veio” apesar do seu tamainho tem uma copa redonda com flores esféricas lilás, suponho que cada uma ocupe mais ou menos um metro quadrado. Já o “Canela de Anum” é o contrário, chega a mais de um metro, de caule fino amarronzado se assemelha a canela do pássaro que lhe empresta o nome. A Beldroega é um caso à parte, amanhece quietinha e nos primeiros raios do sol se enfeita de flores amarelas, colorindo o campo e recebendo as visitas de abelhas silvestres que nelas colhem a matéria-prima para fabricar doce mel.. Já vi na loja de produtos agrícolas “sachês” com sementes de Beldruegas pra ser plantada como hortaliça, mas pra que sementes se ela se multiplica aos milhares ?, e se não arrancar direito ela volta a viver sorrindo com suas flores . Tonho disse, que pra se livrar de Beldruega, só se arrancar, botar no carrinho de mão, abrir um buraco e enterrar. A abundante plantinha tem os talos cheio d´água e o melhor é que na Internet tem até receita de como preparar várias comidas com Beldruega. Ai se o povo da região levasse a sério estas notícias...enxada pra Beldruega nunca mais, até que o povo enjoasse da iguaria.. Ninguém por lá sabe, nem o meu vizinho Timba, meio curandeiro fazedor de garrafadas e chás, mas, a Beldruega é bom remédio nas afecções do fígado, bexiga e rins, o suco cura inflamações nos olhos, os talos e as folhas machucadas aliviam a dor das picadas de insetos e queimaduras e facilita a cicratização das feridas. Acho que vou ser um protetor das Beldruegas, a que eu arrancar eu planto noutro lugar e Balbina e Maria que se vire, quero Beldruega na mesa.
A variedade de plantas se eu pudesse catalogar seria muito extensa, o meu negócio mesmo é levar a vida capinando pois assim torno as minhas horas mais interessantes, uma mordidinha de formiga aqui, uma ferroada de maribondo ali, de vez em quando um susto com uma cobra coral e outras espécies, até que chegue quatro horas da tarde, horário definido para encerrar minhas atividades, assim sendo pego o caminho de casa, ou melhor, da sombra rendada da Sibipiruna, ou na da Mangueira que engatinhou até o jardim. Descalço as botas, e fico a esperar as visitas dos pássaros ouvindo as músicas que se dispersa pelo sítio saindo da vitrola moderna de Maria.(detesto os termos “home theater”.)..não se ajusta ao romantismo da hora muito menos ao gênero musical, tão poderoso que faz ela ter preguiça de descer da rede e vir me acompanhar no prazer visual do fim de tarde. Mas ela vem, como vem os Tiês, os Sanhaços, os Cardeais, Pegas, Bem-te-vis, Sabiás, Tzius,as rolinhas Fogo-pagô e Caldo de feijão, e tantos outros amigos de asas, e eu bebericando uma cervejinha até o dia começar escurecer.
Um comentário:
Zinho depois de lê essa crônica, só me resta pedir desculpas por te fazer cativo dentro de um apartamento - mto embora não por prazer ou pura maldade, mas por não ter sido uma “bióloga-rude” que tal qual vc aprendeu a importância de cada matinho que brota da terra fértil. Talvez se eu me embrenhasse mais pelas entranhas das matas, com certeza eu teria bebido a seiva que jorra da erva ao passar-lhe a enxada inexorável e não estaria precisando hj de dr de jaleco branco, ou sequer, de uma picada da maldita agulha que me tira o sangue.
Desculpa, por não ter enxergado que lugar de biólogo-rude é na mata, incorporado à natureza, sujo de terra, com as unhas encardidas, e a roupa de nódoas, mas feliz da vida com sua enxada, cortando o mato, revirando terra, descobrindo nesse mesmo mato a cura da maldita doença adquirida quem sabe por ignorância.
Vamos embora sim, “biólogo-roceiro”, as formigas estão ansiosas para te mostrar que tem folhas novas lá nas laranjeiras, e os pássaros nossos companheiros de tardes fagueiras estão à espera dos mamões docinhos colocados em fartos banquetes à disposição deles, e até mesmo frutas ainda “madrucendo,” como diz “Maria de Benito”, que esses danados comem sem ao menos nos pedir licença. Mas que festa linda que eles fazem ao sentarmos em baixo da copa amiga daquela mangueira!
Se é tão simples te fazer feliz, que fiquem os drs de jalecos brancos, com seus receituários, pois remédio eu tenho sem precisar dos estudos deles. Eu quero vê esse cansaço gostoso no seu rosto ao retirar as botas ao entardecer do dia, a comungar com a natureza o cair da tarde, ouvindo um som caipira colocado na vitrola por sua Maria.
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