João Almeida
terça feira, madrugada.
Lá vem eu!
Olha lá eu!
numa casa grande de corredor,
com quintal plantado,
e o rio Subauma
correndo lá no fundo.
Lá vem eu!
engatinhando pelos degraus,
pegando o corredor
até me pendurar
na grade da porta da frente.
O tempo passa,
e olha lá eu,
já do outro lado da porta
na sombra do tamarineiro.
O tempo passando,
e lá vai eu
subindo a rampa,
brincando na feira
e pulando vou descendo
pra rua de baixo.
Vejam! olha lá eu
mergulhando no pocinho...
---Menino! Tu vai pegar um resfriado!
Me enxugo no sol
e subo o morro dos araçás .
Agora já rapaz, olhem eu
atravessando a pinguela,
encontro incerto, ninguém por perto...
Lá vem eu!
Pegando o trem .
Daqui dá pra ver
minha felicidade
não veio na bagagem.
Olha lá eu!
desembarcando assustado,
seguindo para uma casa vazia,
morada dos outros, minha morada.
Olhem lá eu
expulso da morada dos outros
sem saber pra onde ir
com vontade de pegar o trem de volta.
Olhem eu ficando,
trabalhando, labutando,
encontrando o dia
depois de noites perdidas.
Olha lá eu!
Doente, julgado imprestável,
afastado...
Mas, olha lá eu!
recuperado, reintegrado.
Olha eu poeta!
pérolas e baboseiras
num círculo de sentimentos
arrancados pela sinceridade.
poemas perdidos, esquecidos
na verdade mortos...
Lá vem eu!
chorando, chorando, chorando...
Mas olha lá eu!
sorrindo, sorrindo, sorrindo.
Olhem! sou eu mesmo!
bêbado incompetente,
sem atitude, incoerente,
ficando diante de barcos que partem,
caminhando pelas praias desertas
e deserto.
Vejam! Olha lá eu!
engolindo sem vontade,
sóbrio numa roda alcoolizada.
Lá vem eu!
escorregando esperança abaixo,
julgado culpado sem culpa,
culpado absolvido.
Olha lá eu!
sem saber o que dizer,
falando pra valer palavras perdidas
e calado encontrando palavras
que nunca serão ditas.
Observem eu encontrando o sol!
escondido por trás de pesadelos
dos passos apressados da vida..
Olhem! Olha lá eu!
Se vocês prestarem bem atenção
Vão me ver sufocado
num espaço sem saída,
enquanto o tempo
muda a cor da vida
descolorindo o que deixei de viver.
Olha lá eu!
capengando de dor,
gemidos que não chegam
a nenhum ouvido.
Mas olha lá eu!
andando firme, corajoso,
olhem eu chegando,
olhem eu chegando!
chegando, chegando,
olhem eu aqui...
Salvador , 26/02/96.
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