quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O BEIJO DA CHUVA

Postado por Milene Lima



Lá fora a chuva ensaia passos de dança pelos tetos dormentes. Há muito tempo não se ouvia do céu a canção das águas sobre o chão seco e noturno. Quem cedo adormece o corpo doído, não escuta a sua música. Não vê a sua dança insinuante lavando paredes imundas de tanta estranheza, banhando de renascimento a matiz desbotada de árvores e olhos. Seu véu de água é poesia generosa quando se derrama do começo do céu, a beijar por inteiro o chão árido e triste. E na batida macia das suas águas, janelas e portas despertam e sabem da precisão de aceitar os novos passos de vida na dança bonita da chuva. Sua canção de alegria desperta a fé que teimava cochilo e agora, até onde não alcança o olhar cansado, há uma inundação de esperança e motivo bom pra se esperar o amanhecer. 

O OUTRO NOME

Postado por Milene Lima


“O que tu tá fazendo aí nesse nome?”, perguntou-lhe o amigo surpreendido com o seu chamado na janela.  “Eu agora só tenho esse nome”, respondeu, num quê de mentira mal contada, a qual ela própria desacreditava.
Gostava de fugir. Se não lhe eram possíveis as fugas mais audaciosas, praticava as que lhe dessem algum retorno imediato... Um refresco na quentura insuportável que haviam se tornado aqueles dias. Pediu a chuva. Fez arremedos de versos para ela, mas isso foi de pouca valia. Não que não houvesse aparecido a chuva. Os dissabores é que estavam encardidos demais para serem clareados na ligeireza de água que o céu derramou. Seguiam ali, os dissabores encardidos, feito sombra aonde quer que seus passos caminhem.
“Tudo culpa desse mês de abril”, resmungava para os seus próprios botões cansados de tanta queixa. O mês em questão, segundo a sua percepção desatinada, parecia ter trazido os seus trinta dias desprovidos de boa vontade. Passavam rabugentos e ela, numa súplica silenciosa, pedia que se aviassem.
Tola. Um nome é apenas um nome. Fosse abril ou janeiro, tivesse ela um ou dez nomes, os desassossegos não trocariam de roupa apenas por sua vontade. De nada adiantaria cortar caminho por atalhos supostamente facilitadores; era preciso viver, um a um, todos os dias que passavam sem o menor senso de humor e até lhes oferecer um riso amarelo, deixando cair a faca entre os dentes.
Estava agora naquele nome, na outra janela, mas era a mesma indisfarçável alma. Era o velho coração, o que adorava se aventurar em caminhos pouco seguros e, exausto, se percebia a esmo sem saber direito como voltar pra casa. Eram os pensamentos de outrora insistindo passos perigosos entre o racional e o absurdamente emocional daquela linha sutil. Eram os fiapos de sensibilidade, danosos ou benignos, a se misturarem num emaranhado de lucidez insana, lhe mantendo viva.
Ao amanhecer, fitará o espelho em busca de respostas que certamente não virão. Chuvas adoradoras de poesia, dissabores encardidos e teimosos, rotas de fugas inúteis... Um nome é só um nome. O fitar-se no espelho de dentro é o que define como serão os passos nos fragmentos de tempo de cada amanhecer.
Ela sabe. Ela sabe?