quinta-feira, 29 de março de 2012

DE AUTOR DESCONHECIDO

“O meu sonho na vida era ter o poder de ser um videocassete de mim mesmo.
Ter o controle remoto que me permitisse renascer experiências vividas.

Eu poderia voltar no tempo, acelerar, pular cenas dos próximos capítulos.
Parar a imagem num momento que me tivesse sido glorioso, vivê-lo outra vez.
Talvez, eternizar um orgasmo.

Eu poderia correr a fita de modo a entrar na percepção do futuro ou recuar para consertar, corrigir, para confirmar.
Ah, com esse aparelhinho eu poderia criar o ideal.

Ah, o ideal.

O ideal seria que o homem nascesse com 80 anos, fosse ficando mais moço, mais moço, até morrer de infância.
Nascendo com 80 anos, aos 60 ele casaria com uma mulher de 59.
Mas com uma vantagem: a cada dia, a cada semana, a cada mês, a cada ano, ela ia ficando mais nova, mais nova, até se transformar numa gata de 20.

Depois ficariam noivos, namorados.
A Bicicleta.
O velocípede.
Desaprendiam a andar, esqueciam como engatinhar.
O voador, o cercadinho.
Do cercadinho para o berço.
As fraldas molhadas.
O peito da mãe.
Até que, num dia qualquer, pararia de respirar.

Seria o tempo correndo para trás até aparecer o último homem: Adão.

O último primeiro, a quem Deus colocaria sobre a mão e, em vez de soprar sobre ele, inspiraria o homem outra vez para dentro de si mesmo.”

Súplica

Wilson Pereira -

Meu Deus,
Se tua vontade
É completa
Me devolva a bicicleta
Que alguém me roubou.

E, enfim,
Com teu poder divino,
Junto da bicicleta
Traga de novo o menino
Que o tempo levou de mim.

(poema inédito)

Wilson Pereira -

EM ALGUMA ESQUINA....

29/03/2012

em alguma esquina perdida no tempo
num dia qualquer
que não
sei
quando
fui
embora
de mim
retorno
agora
atônita
resta
um mergulho
no profundo oceano do esquecimento

terça-feira, 20 de março de 2012

Somente Amor...

tenho aprendido com o tempo,
que a felicidade vibra,
na frequência das coisas mais simples...
como a doçura contente de um cafuné sem pressa...
como os instantes que repousamos os olhos em olhos amados...
como aquele poema que parece
que fomos nós que escrevemos...
como o toque da areia molhada sob os pés descalços...
como o sono relaxado e tranquilo
que põe todos os sentidos pra dormir...
como a presença da intimidade legítima e verdadeira...
como o banho bom que devolve forças ao corpo...
como o cheiro de quem se ama...
como essas coisas...
como outras coisas...

simples assim...

Ontem eu chorei

yanla Vanzant

"Ontem eu chorei,

por todos os dias em que estive ocupada demais, ou cansada demais,
ou com raiva demais para chorar...
Chorei por todos os dias, por todas as formas e por todas as vezes que desonrei, desrespeitei e desliguei
meu EU de mim mesma ..."" 

segunda-feira, 19 de março de 2012

DE TANTO ESPERAR

Maria Maria

De tanto esperar tenho teias pelo meu corpo:
aranhas, fios, lãs, besouros
todos ,
fazendo poemas e recitando dores desiguais.

Meu sangue não é azul
como o das consulesas,
meu sangue tem cor
de ausência.

Eu sei...
sei da prisão
que é ser incompleta
e da alforria que me aprisiona.

Isauras não existem
Só o tempo se desconfigura e desmancha as teias
que tenho pelo corpo, de tanto esperar!

sábado, 17 de março de 2012

ABRAÇO BOM

Ines Pedrosa


Com o passar dos anos,

o corpo pode correr menos
-
mas abraça melhor,
com mais vagar,
porque em cada afago florescem todos os afagos anteriores,
os reais e os sonhados
.






NÃO ESTOU TRISTE, NÃO...

Priscila Rôde

Eu não estou triste.
Só estou fazendo silêncios.
Só estou me recolhendo.
Só estou amanhecendo, por dentro

O QUE A CHUVA FEZ...

a chuva
fez com o muro antigo
o que a vida fez
comigo:
arrancou camadas
de bolor e tinta
e expôs as entranhas
(de barro e pedra)

sexta-feira, 16 de março de 2012


A chuva amiga, mamãe velha, a chuva
que há tanto tempo não batia assim...
Ouvi dizer que a cidade velha, a ilha toda
em poucos dias já virou jardim.

quinta-feira, 15 de março de 2012

TOLICE


Lisbeth Lima


Escrevo na areia o meu nome.
A água vem e apaga.

Escrevo na areia o nome do meu amor.
A água vem e apaga.

Onda teimosa,
nada entende de nomes.
Nada entende de amor.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Das palavras que estragam tudo.

Solange Maia

Lembro-me de uma reza, que ouvi uma vez, que dizia lindamente que o homem é senhor de todas as palavras que não disse, e escravo de todas as que proferiu...
Que o Universo me permita então, usar tanto as palavras quanto os silêncios.
Porque no fundo, são eles que me salvam. Os silêncios.
São eles que me dão a certeza de que em algum canto de mim estou sempre me refazendo.
Então me acalmo, e agradeço.
E torço por essa minha vontade de ser feliz que só eu sei.

sexta-feira, 9 de março de 2012

O QUE É SOLIDÃO

Fátima Irene Pint



Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear .... isto é carência.

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... isto é saudade.

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos... isto é equilíbrio.

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida... isto é um princípio da natureza.

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... isto é circunstância.

Solidão é muito mais do que isto.

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.

Fátima Irene Pint

quinta-feira, 8 de março de 2012

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

(Mario Quintana)

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente …
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
( Mario Quintana)
- Relógio do Coração -
Há tempos em nossa vida
que contam de forma diferente
Há semanas que duraram anos,
como há anos que não contaram um dia
Há paixões que foram eternas,como há amigos
que passaram céleres, apesar de o calendário mostrar
que ficaram por anos em nossas agendas.
Há amores não realizados
que deixaram olhares de meses,
e beijos e abraços não dados
que até hoje
esperam o desfecho.
Há trabalhos
que tomaram décadas
de nosso tempo na Terra,
mas que nossa memória insiste
em contá-los como semanas.
E há casamentos que,
ao olharmos para trás,
mal preenchem
os feriados da folhinha.
Há tristezas
que nos paralisaram por meses,
mas que hoje,
passados os dias difíceis,
mal guardamos
a lembrança de horas.
Há eventos que marcaram,
e que duram para sempre:
o nascimento do filho,
a viagem inesquecível,
o êxtase do sonho realizado
nos ensina o significado
da palavra “eternidade”.
Já viajei para a mesma cidade
uma centena de vezes,
e na maioria das viagens
o tempo do percurso
foi (quase) o mesmo.
Mas conforme meu espírito, houve viagem
que não teve fim até hoje, como há também o percurso
que nem me lembro de ter feito,
tão feliz estava eu na ocasião.
O relógio do coração,
hoje descubro,
bate em freqüência diversa
daquele que carrego no pulso.
Marca um tempo diferente,
o das emoções que perduram
e que mostram
o verdadeiro tempo
da existência da gente.
Por este relógio,
velhice é coisa de quem
não conseguiu esticar o tempo
que temos no mundo.
É olhar as rugas...
e não perceber a maturidade
e a experiência adquiridas.
É pensar antes
naquilo que não foi feito,
ao invés de se alegrar e sorrir
com as lembranças do que viveu.
PENSE NISSO
Consulte sempre
o relógio do coração!
É ele que lhe mostrará
o verdadeiro tempo da vida...

Acordar

Caio Fernando

nos sonhos
às vezes

abraçamos
quem queremos abraçar

beijamos
quem queremos beijar

e
depois
acordamos

(com pena
de acordar)

quarta-feira, 7 de março de 2012

Amor é bicho instruído

Carlos Drummond de Andrade


Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.


terça-feira, 6 de março de 2012

QUEM ME QUIZER

Rosa Lobato Faria

"Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.

Quem me quiser há-de saber as fontes
a laranjeira em flor a cor do feno
a saudade lilás que há nos poentes
o cheiro de maçãs que há no inverno.

Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros
há-de saber os beijos e as uvas
há-de saber as asas e os pombos.

Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos
a nudez clamorosa dos meus dedos
o salmo penitente dos meus gritos.

Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
- Ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente."

"VAMO SIMBORA"

João Almeida
06/03/2012

Vamos Lidú!
pegar o caminho do mato,
matar de inveja a vida espremida,
buzinas nervosas,
camas burocrátricas
escritórios da solidão.
Vamos Lidú!
Maria já se arrumou!
Vamos acender fogueira
brincando de São João
em dias de qualquer Santo.
Vamos semear! colher!
Vamos rir, enquanto um bolo se lambuza,
e se encher de dúvidas,
de qual suco eu vou beber.
Vamos Lidú!
Jogar nossas conversas ao vento
e dividir nossas apreensões.
Vamos orar ouvindo os pássaros
assistindo o culto silencioso
nas sombras dos arvoredos.
"Vamo simbora"
dividir nosso mamão com o bem-te-vi,
nossa canção com o sabiá,
as nossas flores com o beija-flor.
"Vamo simbora"
acenar para o verão que parte
abrir os braços para quem chega,
o inverno tecendo o frio.
O frio que abre gavetas
e puxa o seu casaco marrom,
o de Maria listrado,
o meu cinza já cansado,
mas que ainda com remendos
luta me protegendo.
Vamos sorrir com boas lembranças,
o que não vale a pena , esquecer
Enfim, "vamo simbora", VIVER.

domingo, 4 de março de 2012

Barco





Quero-te agora
a entrar de manso
no barco imenso da noite
diante do mar que tudo desarruma
tudo vence
em uma terra sem nome.

Nada do que nos disseram era verdade
vê com teus próprios olhos
a esperança florindo em nosso muro
e o espaço que foi preciso transpor
sobre a distância.

Em cada gesto brilha
a umidade da noite
a casa pronta
a porta destrancada
e o que nos vamos dizer à flor dos lábios.

O dia em que o sol amou




O sol sentiu vontade de ver

sua própria imagem.

Deixou-se refletir num lago.

Miragem!
Como Narciso, encantou-se

com o reflexo de sua beleza,

da sua capacidade de brilhar

ocultar e escurecer o mundo.

o réquiem, o canto dos girassóis
despertou o sol e esquecendo
da sua beleza criou um lago
de lavas na natureza.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Livros

Caetano Veloso

Composição: Caetano Veloso
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas