Saindo de um forró, lá na serra da remetedeira Zé Francisco preferiu ir a pé para casa, precisava arejar os pensamentos. Caminhou trôpego por aquelas estradas, onde não se via viva alma e cuja única luz, era da lua, coberta pela bruma que encobria o caminho. “Inda bem que num ta cheia!” pensou. Às vezes, aquele silêncio ensurdecedor do caminho era interrompido pelo canto dos grilos, outras vezes pelas corujas.
Em certo ponto da estrada, próximo a uma encruzilhada, avistou algo vermelho, como um pano, tremulando com o vento. Cismou, chegando mais perto pôde perceber que era uma mulher, encostada na cerca. Uma bela mulher loira de seios fartos, que aos olhos do caboclo parecia estar usando roupas de baile. Tudo combinando: vestido, batom e sapatos vermelhos. Achou aquilo tudo muito estranho. Aproximou-se.
―Moça... Quê que ta fazendo sozinha aqui... Num esquisito desse?
―Esperando por você!
―Pur mim? Mais... A sinhora me conhece?
−Quem é que não conhece o grande Zé Francisco? O caboclo mais valente de Santana do Ipanema?
− Grande é Deus moça!
−Mas você pode ser maior que Ele! Alias, pode tudo que quiser!
−Maió do que Deus nosso sinhô? Que cunversa é essa?
−Nosso não! Seu... Que por sinal, nem sabe que você existe!
−Peraí... Peraí! Eu num to entendendo o rumo desse prosa não! Quem é a sinhora?
−Eu sou aquela que pode lhe oferecer tudo o que você quiser! O inimaginável! Prazeres com os quais você nunca sonhou!
−Ói moça... Eu posso ta bêbo... Mais eu num sô burro! Isso daí... É a troco de quê?
− Quase nada! Pra começar, tire esse escapulário que você usa no pescoço!
− Meu escapulário? Não... Tem a image de minha madrinha sinhora Santana.
− É, onde estava sua madrinha quando seu cavalo foi esquartejado?
O caboclo engoliu um seco, parece que aquela mulher sabia onde apertar.
−A hora dele chegô... Como vai chegá a minha, Cuma qualqué vivente nessa terra!
−Não venha falar assim como não se importasse! Nós sentimos sua dor! Ouvimos seu desejo ardente de vingança! Além disso... Conhecemos seus desejos mais obscuros!
Estas últimas palavras, a dama misteriosa proferiu com um sorriso malicioso no rosto, acariciando a nuca do sertanejo.
− Renuncia a este Deus impiedoso que você segue! Nós lhe daremos poder para esmagar seus inimigos, traremos seu cavalo de volta. E Rosa... Ah, Rosa... Ela será toda sua! É pouco? Peça mais! É só dizer! Tudo o que você quiser está ao seu alcance!
− Nóis... Eu já intendi! Sai pra lá fia do capeta! Coisa ruim! Vai de retro! Vorta pros quinto dos inferno que é teu lugá! Sangue de Cristo tem podê!
Naquele momento, a mulher de vermelho começou a se contorcer, e emitir um som como se fosse um animal ferido. Depois sumiu, como se sugada pele terra, bem diante dos olhos de Zé Francisco, que caiu no chão na mesma hora.
Acordou novamente, desta vez foi desperto por um homem que segurava um candeeiro.
− Amigo... Você esta bem?
Lentamente o caboclo levantou a cabeça. Com um olho aberto e outro fechado encarou aquele homem. – baixe o candinhêro pr`eu vê sua cara!
O homem obedeceu.
− Louvado seja nosso Sinhô Jesus cristo! Falou o caboclo, desconfiado.
− Para sempre seja louvado! Deixe eu lhe ajudar, vou levar você para sua casa.
Zé Francisco nada respondeu, estava tão embriagado que mal conseguia andar. O homem do candeeiro apoiou o caboclo em seus ombros e o conduziu para casa. Durante o caminho o sertanejo puxou conversa.
− O sinhô num vai acreditá! Mais o diabo apareceu pra mim inda agorinha, na forma de uma muié! Me prometendo o mundo e o fundo!
− Eu acredito sim! Às vezes ele tenta testar as pessoas, principalmente as mais especiais!
− especiais? Eu num tenho nada de especial não seu moço... Só tenho o dia e a noite!
− Não diga isso! Você é especial para Deus! Ele sempre vai olhar por você! Por isso o outro lado sempre vai tentar abalar sua fé!
De repente os dois estavam diante da porta da casa de Zé Francisco
−Já?...Eí! Eu num tinha lhe falado onde era minha casa... Tinha?
O homem sorriu para ele e foi descendo a rua com seu candeeiro, até sumir na bruma.
−Crê em Deus pai todo poderoso!
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