terça-feira, 11 de agosto de 2009

QUASE...

João Almeida

E tem dias que eu quase acredito...
Quase.
Me recomponho,
enxergo bem até o que vem
depois do morro...
A visão imposta por pensamentos
se dissipa! se apaga...
O trem passa sem parar,
então não há desembarques....
e também não há partidas...
Mas era preciso
que houvessem chegadas
e também saídas...
Assim como uma dor que passa
e uma alegria que chega.

E tem dias que eu quase acredito!
Quase....
Mas existem surpresas
e é assim que amanheço...
Quase....
Cheguei a ver a sombra
de um velho sonho chegando,
realizado!
Mas desapareceu
como que batendo asas...
Quem sabe um dia acontece...
nisso eu ainda acredito,
no meu Papai Noel fora de época
em qualquer dia
que seja natal na minha vida.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Crônica de uma quarta-feira comum

Do blogão do Zé (Folha de São Paulo)

A Henry Chinaski

Hoje é mais uma das quartas-feiras que enfrento na maior ressaca e muita preguiça. Nenhuma nuvem no céu. Nenhuma nuvem no meu coração, ressequido e triste como um saco plástico de supermercado à beira de uma estrada empoeirada que não leva a lugar nenhum. A água gelada do chuveiro tenta me ressuscitar. Preciso trabalhar.

Rasguei os poemas bêbados feitos de madrugada, escrevi-os com a caneta tonta da melancolia. Ah! Estou relendo Crônicas de um Amor Louco, de Charles Bukowsky. Depois de 28 anos, pego o livro de volta e viajo com o velho bêbado, lírico e ácido. Certa vez, meu irmão, Paulo César Cascão, depois de sorver um gole de um bom vinho alentejano, usou do seu ferino humor e soltou essa: "Não posso ler Bukowsky porque tenho medo do Detran". Mas eu não estou nem aí. Sigo com minha poesia e meus vícios.

Me enxugo e estou refeito para o trabalho. Só o coração continua apertado, deve ser por causa da Lua cheia que se aproxima — dia 16 é Lua gorda, mermão!

O trânsito parado testa o meu humor. Fecho os vidros e aumento o som do rádio para não xingar ninguém, nenhum panaca que insiste em ser mais esperto que os outros. E o rádio toca Chico:

Mesmo que os cantores sejam falsos como eu

serão bonitas, não importa

são bonitas as canções

mesmo miseráveis os poetas

os seus versos serão bons

mesmo porque as notas eram surdas

quando um deus sonso e ladrão

fez das tripas a primeira lira

que animou todos os sons

e daí nasceram as baladas

e os arroubos de bandidos como eu

cantando assim:

você nasceu para mim

você nasceu para mim

mesmo que você feche os ouvidos

e as janelas do vestido

minha musa vai cair em tentação

mesmo porque estou falando grego

com sua imaginação

mesmo que você fuja de mim

por labirintos e alçapões

saiba que os poetas como os cegos

podem ver na escuridão

e eis que, menos sábios do que antes

os seus lábios ofegantes

hão de se entregar assim:

me leve até o fim

me leve até o fim

mesmo que os romances sejam falsos como o nosso

são bonitas, não importa

são bonitas as canções

mesmo sendo errados os amantes

seus amores serão bons

Choro Bandido, diz o locutor. Esse é o nome da música que Chico Buarque e Edu Lobo fizeram para a peça O Corsário do Rei, de Augusto Boal, em 1965. Por um instante vejo o rosto dela na silhueta de um táxi. Ela, a mira dos meus poemas, nem sabe que estou aqui, nesse engarrafamento, de ressaca, cansado, indo para o trabalho, uma formiga tosca e inútil no meio do Planalto Central. Acelero, o pardal me multa. Mesmo assim, chego atrasado no trabalho. A música de Chico não me sai da cabeça…