Margarida Almeida
Vou embora, vou embora eu aqui não fico mais...
Meus pés gritam por liberdade, já não conseguem fazer o show em cima dos saltos. Minhas mãos estão cansadas do toc toc das teclas. Minha pele reclama do perfume francês, quer o aroma que exala do patchulin nascido ao acaso, irrigado pelas águas que correm pelos regos despejadas dos canos. Meus olhos já não fotografam mais a beleza do concreto transformado em arte. Meu paladar rejeita o gosto do pão misturado com bicarbonato. Meu corpo cansou dos estofados macios forrados de tecidos fabricados por máquinas robóticas; clama pelo tapete verde da relva, que o embala ao som do rio que corre sem nunca parar em busca do seu puro e satisfeito gozo - a pororoca. Quero mesmo é sentar-me à tarde sob a copa das árvores para vê os meus amigos passarinhos brincarem, tomarem banho, gorjearem... E ao entardecer colocar um som bem cafona - de preferência sertanejo, daquelas duplas bem antigas como Milionário e José Rico - moda de viola, seresta, boleros, enfim tudo que fale de natureza ou romantismo.
Quero colocar a mão na terra, sorrir de felicidade com o desabrochar do primeiro botão de flor daquela plantinha, que cresceu cercada de tantos cuidados, de tanto amor. E os frutos suculentos das mangueiras, cajazeiras, goiabeiras, jambeiros, bananeiras, ateiras ... Que me perdoem as ervas-daninhas, mas nada mais gratificante que vê as hortaliças todas verdinhas, livres do abraço dessas danadas que sufocam e matam, a balançarem as folhas ao mínimo sinal de brisa, como se querendo dizer muito obrigada. É sublime!
Liberdade aqui? Que nada! Sucumbiu entre as paredes de um apartamento chaveado, gradeado, como se fossemos nós os animais, enquanto as bestas-feras andam livres fazendo vítimas e mais vítimas com seus instintos selvagens.
Vou embora, vou embora, eu aqui não fico mais...